Com o aumento da expectativa de vida dos gatos, a prevalência de condições crônicas dolorosas e comorbidades tem crescido, representando fatores que impactam negativamente sua qualidade de vida.
Este cenário está detalhado nas Diretrizes para Cuidados de Felinos Idosos da AAFP. A dor crônica em gatos, também chamada de dor patológica ou mal adaptativa, é frequentemente associada a uma ampla gama de doenças persistentes, como doenças articulares degenerativas (DAD), estomatite, certos tipos de câncer e doença do disco intervertebral. Em alguns casos, a dor persiste mesmo na ausência de doença ativa, como ocorre na dor neuropática, frequentemente relatada após onicectomia, amputação de membros ou caudas.
Reconhecer a dor é fundamental para um manejo eficaz. Contudo, no caso de dor crônica, as mudanças comportamentais se desenvolvem de forma gradual e muitas vezes sutil, sendo mais facilmente identificadas por cuidadores que conhecem bem o animal.
Os gatos, como predadores e presas, possuem uma habilidade natural para mascarar sinais de dor, minimizando mudanças comportamentais óbvias. Além disso, por não serem frequentemente envolvidos em atividades externas com seus cuidadores (como passeios), as alterações comportamentais relacionadas à dor são mais difíceis de identificar.
O reconhecimento da dor mal adaptativa de longa duração requer uma abordagem mais complexa. A avaliação cuidadosa do veterinário, combinada com a observação do cuidador (que deve ser devidamente educado para identificar sinais de dor), desempenha um papel crucial.
Ferramentas adicionais, como gravações de vídeos caseiros, podem ajudar a documentar comportamentos que indiquem dor. Futuramente, avanços tecnológicos, incluindo câmeras inteligentes e dispositivos adaptados, poderão contribuir significativamente para o diagnóstico precoce e o monitoramento da dor em gatos.
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Neste artigo iremos discutir mais sobre os principais conceitos que envolvem a dor crônica em gatos. Acesse nossos outros artigos sobre as diretrizes de manejo da dor da WSAVA para saber mais:
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A Associação Mundial de Veterinários de Pequenos Animais (WSAVA) lançou em 2022 o Guideline voltado para reconhecimento, avaliação e tratamento da Dor em Cães e Gatos. Trata-se de uma atualização do antigo guideline de mesmo título publicado em 2014 pela própria WSAVA.
O documento de 2022 reflete os grandes avanços na medicina da dor veterinária nos últimos 10 anos, trazendo informações científicas atualizadas em relação ao primeiro documento. um material essencial para profissionais que buscam aprimorar o cuidado e o bem-estar dos seus pacientes.
Avaliação e reconhecimento prático de dor crônica
A avaliação da dor mal adaptativa crônica em gatos depende de um enfoque sistemático, combinando observação cuidadosa e ferramentas específicas para mensuração.
O papel do cuidador é central nesse processo, pois a identificação das mudanças comportamentais graduais associadas à dor muitas vezes requer atenção constante e conhecimento prévio do comportamento normal do animal.
Este acompanhamento é otimizado por instrumentos padronizados, como os Instrumentos de Metrologia Clínica (CMIs), que coletam relatos consistentes dos cuidadores e permitem a avaliação do impacto da dor crônica na qualidade de vida do gato.
A educação dos cuidadores é essencial, pois mudanças comportamentais associadas à dor crônica podem ser erroneamente atribuídas ao envelhecimento ou passar despercebidas.
Ferramentas como as citadas na tabela 1 por exemplo, auxiliam na triagem de dor musculoesquelética associada a doenças articulares degenerativas (DAD), sendo também uma importante ferramenta educativa.
Diversos instrumentos de medição foram desenvolvidos para avaliar a dor associada à DAD, como:
Índice de Dor Musculoesquelética Felina (FMPI): Focado em medir o impacto da dor e avaliar a resposta ao tratamento.
Medida de Resultado Específico ao Cliente (CSOM): Baseada em relatos diretos dos cuidadores.
Instrumento de Montreal para Teste de Artrite em Gatos (MI-CAT) e Fórmula de Função Física Felina (FPFF): Ferramentas detalhadas para monitoramento contínuo de sinais de dor e eficácia terapêutica.
Monitores de Atividade Física: Estão sendo considerados para auxiliar na detecção e acompanhamento da dor musculoesquelética, embora mais pesquisas sejam necessárias para compreender plenamente como a dor afeta os padrões de atividade.
Teste Sensorial Quantitativo (QST): Avalia a transmissão de estímulos nocivos, como térmicos ou mecânicos, por meio de dispositivos calibrados. Este método fornece dados objetivos, como graus de sensibilidade à dor (hiperalgesia, alodinia) em gatos com doenças crônicas, como a osteoartrite.
Esses instrumentos avaliam comportamentos específicos, como mobilidade, nível de interação e mudanças na rotina, que refletem o impacto da dor crônica na vida dos gatos. Eles representam avanços na compreensão e manejo da dor em gatos, permitindo diagnósticos mais precisos e tratamentos mais eficazes.
Técnicos e enfermeiros veterinários também desempenham um papel importante, apresentando e explicando essas escalas aos cuidadores, seja presencialmente ou por meio de telemedicina.
No futuro, tecnologias como dispositivos inteligentes e algoritmos de análise comportamental poderão revolucionar ainda mais o cuidado com a dor crônica em felinos.
Ferramentas utilizadas para triagem e avaliação de dor crônica em gatos
Tabela 1
Ferramentas utilizadas para triagem e avaliação de dor crônica em gatos (Instrumentos de Metrologia Clínica, CMI) e avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde (QdVRS) | |||
Ferramenta | Tipo | Condição | Observação |
Checklist de Triagem de Dor Musculoesquelética Felina (Feline MiPSC) | Triagem | Doenças articulares degenerativas / Osteoartrite | Checklist simples de 6 itens que verifica se uma atividade específica pode ser realizada normalmente ou não. Os cuidadores respondem “sim” ou “não” a cada item. Se a resposta for “não” em qualquer um dos itens (ou seja, a atividade não é normal), isto deve motivar outras avaliações |
Índice de Dor Musculoesquelética Felina (FMPI) | Instrumentos de Metrologia Clínica | Doenças articulares degenerativas / Osteoartrite | Uma versão atualizada, o Formulário Curto do FMPI, contém nove itens/ atividades que são avaliados em uma escala Likert de “normal” a “de forma alguma.” Os itens são relacionados à mobilidade e capacidade de realizar atividades cotidianas |
Medida de Resultado Específico ao Cliente (CSOM) | Instrumentos de Metrologia Clínica | Doenças articulares degenerativas / Osteoartrite | Já foi amplamente usado, mas não é um questionário “comercial”. Na verdade, é feito para cada caso individual no qual uma série de atividades é particular a cada gato e ambiente domiciliar. Estas atividades são combinadas com o cuidador e monitoradas ao longo do tempo. |
Instrumento de Montreal para Teste de Artrite em Gatos para uso de proprietários (MICAT(C)) | Instrumentos de Metrologia Clínica | Doenças articulares degenerativas / Osteoartrite | Foi realizada uma validação preliminar. Inclui itens relacionados a agilidade, comportamentos sociais, de brincadeira e exploração, autocuidado, e condicionamento físico |
Fórmula de Função Física Felina (FPFF) | Instrumentos de Metrologia Clínica | Doenças articulares degenerativas / Osteoartrite | Inclui avaliação de quatro domínios (atividade geral, mobilidade, temperamento e limpeza |
Saúde e Bem-Estar dos Gatos (CHEW) | Qualidade de vida relacionada à saúde | Qualquer | itens divididos em 8 domínios (mobilidade, emoção, energia, interação, olhos, pelagem, apetite, condicionamento físico) |
Medição da qualidade de vida Felina | Qualidade de vida relacionada à saúde | Qualquer | Contém 16 itens divididos em 2 domínios (comportamentos saudáveis e sinais clínicos). |
VetMetrica de QdVRS p/ gatos | Qualidade de vida relacionada à saúde | Qualquer | Contém 20 itens divididos em 3 domínios (vitalidade, conforto e bem-estar emocional) |
Comportamentos incluídos na avaliação de dor crônica
- Vitalidade e Mobilidade: Avaliar se o cão demonstra disposição, felicidade e energia, bem como sua capacidade de realizar movimentos básicos e avançados, como se deitar, levantar, sentar-se, saltar e tolerar atividades físicas ou exercícios.
- Humor e Atitudes: Observar o estado emocional do cão, considerando se está alerta, ansioso, introvertido, triste, apático, confiante, brincalhão ou sociável, e identificar mudanças em seu comportamento habitual.
- Níveis de Sofrimento: Identificar sinais de desconforto, como vocalizações (gemidos, grunhidos) e reações comportamentais ao interagir com outros cães e humanos.
- Indicadores de Dor: Examinar o nível de conforto do animal, rigidez muscular, claudicação e outros sinais de dor detectados em exames ortopédicos ou físicos gerais.
- Demonstração de Dor nas Estruturas Somáticas: Realizar exames miofasciais e identificar padrões de tensão muscular que possam indicar desconforto ou dor em áreas específicas do corpo.
Cada um desses elementos contribui para uma avaliação abrangente, permitindo identificar e tratar de forma mais especifica a dor crônica em gatos.
Referências
P. Monteiro, X. LasceLLes , J. MurreLL, S. Robertson, M. Steagall e B. Wright. Diretrizes da WSAVA de 2022 para reconhecimento, avaliação e tratamento de dor; 2022.