Por Digivets

Dezembro 13, 2024

Dor em cães e gatos

A dor é uma experiência complexa e multifacetada, que pode ser tanto um mecanismo de defesa do corpo quanto uma condição debilitante quando se torna crônica. Compreender os diferentes aspectos da dor em cães e gatos, suas distinções entre aguda e crônica, sua fisiologia e fisiopatologia, e os variados tipos que ela pode assumir, é essencial para um manejo clínico eficaz. 

Nesta seção, exploramos os conceitos fundamentais sobre a dor, incluindo suas diferenças, mecanismos subjacentes e principais categorias, além de apresentar diretrizes gerais para o tratamento da dor aguda e crônica.  

Nós da Digivets reforçamos nosso compromisso com a curadoria de conteúdos científicos relevantes e atualizados.  

Em nossa sessão exclusiva, você encontrará um resumo claro e eficiente dos principais pontos deste guideline e de outros assuntos, facilitando o seu acesso às melhores práticas e tendências globais em medicina veterinária. 

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Neste artigo iremos discutir mais sobre os conceitos de dor, sua fisiologia e fisiopatologia, diferenças entre dor aguda e crônica e tipos de dor. Acesse nossos outros artigos sobre as diretrizes de manejo da dor da WSAVA para saber mais: 

  1. Dor em cães e gatos
  1. Como reconhecer a dor Aguda em gatos? 
  1. Como reconhecer a dor Aguda em cães? 
  1. Como reconhecer a dor Crônica em gatos? 
  1. Como reconhecer a dor Crônica em cães? 

A Associação Mundial de Veterinários de Pequenos Animais (WSAVA) lançou em 2022 o Guideline voltado para reconhecimento, avaliação e tratamento da Dor em Cães e Gatos. Trata-se de uma atualização do antigo guideline de mesmo título publicado em 2014 pela própria WSAVA. 

O documento de 2022 reflete os grandes avanços na medicina da dor veterinária nos últimos 10 anos, trazendo informações científicas atualizadas em relação ao primeiro documento. um material essencial para profissionais que buscam aprimorar o cuidado e o bem-estar dos seus pacientes. 

O que é dor?

A dor é uma experiência universal, mas ao mesmo tempo profundamente pessoal. Segundo a Associação Internacional para Estudo da Dor (IASP) a definição oficial da dor é: “Uma experiência sensitiva e emocional associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial”. Esse conceito abrange tanto dores físicas, como a causada por um corte ou queimadura, quanto dores emocionais, como a perda de um ente querido. 

Ou seja, a dor é uma sensação ou emoção desagradável que pode ter origem física, emocional ou psicológica, e que serve como um alerta do corpo de que algo não está funcionando como deveria. Embora muitas vezes associemos a dor a lesões ou doenças, ela é muito mais complexa do que uma simples reação a danos no corpo. 

Compreender a dor é fundamental para tratá-la de forma eficaz. Por isso, o estudo da dor é uma área interdisciplinar que engloba a medicina, a psicologia, a neurociência e outras áreas, buscando não apenas aliviar o sofrimento, mas também promover qualidade de vida e bem-estar. 

Dor Aguda x Dor Crônica 

A dor é comumente categorizada como aguda ou crônica, sendo considerada dor crônica a dor que persiste por mais de 3 meses. No entanto, não há uma mudança significativa que ocorra exatamente após esse período para caracterizar a dor como “crônica”. Veja na tabela 1as diferenças entre dor Aguda e Crônica. 

Os fatores mecânicos envolvidos na dor se transformam gradualmente, indo de uma dor nociceptiva aguda para estados de dor patológica. A extensão dessas alterações depende não apenas da duração, mas também da intensidade e do tipo de dor, além de ser influenciada por diversos outros fatores. 

O termo “dor inflamatória” é frequentemente incluído na definição de “dor aguda/adaptativa”, embora possa, claramente, estar presente em condições de dor crônica. A dor de longa duração provoca alterações na transmissão nociceptiva em diversos níveis, um processo conhecido como “algoplasticidade”. Essas mudanças amplificam e facilitam a dor, podendo mantê-la de forma independente de qualquer contribuição periférica, como no caso da dor do membro fantasma. 

Tais alterações criam uma desconexão progressiva entre a lesão periférica e a dor percebida, sendo comumente classificadas como “dor mal adaptativa” ou “dor patológica”. Esse tipo de dor acarreta efeitos cumulativos prejudiciais em várias dimensões, incluindo aspectos fisiológicos, sensoriais, afetivos, cognitivos, comportamentais e socioculturais, além de exercer um impacto psicológico significativo sobre a pessoa que sofre com ela. 

A dor prolongada (crônica/mal adaptativa/patológica) é frequentemente considerada uma condição de doença em si. As estratégias de manejo devem ser ajustadas para refletir os diferentes perfis neurobiológicos envolvidos.  

De modo geral, o tratamento da dor aguda foca na causa subjacente e na interrupção dos sinais nociceptivos em diversos níveis do sistema nervoso. Por outro lado, as abordagens para a dor prolongada incluem tanto a interrupção do estímulo nociceptivo periférico quanto a reversão das alterações patológicas e dos efeitos adversos globais que a dor tenha causado no organismo. 

Além disso, “dor disfuncional” e “dor neuropática” são consideradas formas de dor crônica/mal adaptativa/patológica. Em algumas publicações, a “dor oncológica” é reconhecida como uma categoria distinta de dor patológica.  

O termo “dor mista” é utilizado para descrever condições clínicas em que há a sobreposição de diferentes tipos de dor – por exemplo, na osteoartrite avançada, podem coexistir componentes de dor inflamatória, disfuncional e neuropática. 

Fisiologia e fisiopatologia da dor em cães e gatos

A dor é uma experiência subjetiva que pode ser percebida mesmo na ausência de uma estimulação nociva evidente e pode ser amplificada ou aliviada por uma ampla variedade de fatores comportamentais, como o medo e a memória.  

A dor fisiológica aguda desempenha um papel crucial de proteção, sinalizando a presença de um estímulo potencialmente nocivo. 

Por outro lado, a dor patológica ou mal adaptativa reflete um funcionamento anormal dos mecanismos da dor, sem qualquer finalidade fisiológica, levando ao desenvolvimento de síndromes crônicas em que a dor se torna a condição principal.  

A percepção da dor é o resultado de um sistema complexo de processamento de informações neurológicas, que envolve a interação de mecanismos facilitadores e inibidores ao longo do sistema nervoso central (SNC) e periférico. 

A experiência consciente de dor aguda provocada por um estímulo nocivo é mediada por um sistema sensorial nociceptivo de limiar elevado. Nociceptores são terminações nervosas livres (fibras aferentes/sensoriais primárias), cujos corpos celulares estão localizados nos gânglios da raiz dorsal e nos gânglios trigeminais. 

As fibras nervosas aferentes primárias, responsáveis por transmitir as informações desses nociceptores para o sistema nervoso central, são classificadas em dois tipos principais: fibras C e fibras Aδ .

As fibras aferentes primárias podem ser divididas em três tipos com base em sua estrutura, diâmetro e velocidade de condução 
Fibra Descrição Diâmetro (μm) Velocidade de Condução (m/seg) 
Aβ Grandes fibras mielinizadas e de condução rápida envolvidas no estímulo mecânico de limiar baixo (p.ex., toque) Mais de 10 de 30 a 100 
Aδ Envolvidas principalmente na sinalização nociceptiva, são fibras levemente mielinizadas e de condução lenta. Contribuem para a rápida “pontada” da resposta da dor aguda e funciona basicamente como um alerta, resultando em uma dor rápida.  de 2,0 a 6,0  de 12 a 30  
Envolvidas principalmente na sinalização nociceptiva, são fibras não mielinizadas e de condução muito lenta. Ativadas por estímulos mecânicos, químicos e térmicos intensos contribuindo para a sensação de dor de “queimadura”, dor lenta. de 0,4 a 1,2  de 0,5 a 2,0 

Após um dano tecidual, os nociceptores sofrem alterações em suas propriedades, permitindo que fibras Aβ, que normalmente não estão associadas à nocicepção, passem a transmitir “informações de dor”, caracterizando uma dor mal adaptativa. A estimulação contínua dos nociceptores ativa as fibras C, sendo a extensão dessa ativação proporcional à gravidade da lesão. 

Durante um estímulo nocivo, várias vias que conectam a medula espinhal, o tronco encefálico e outras regiões do sistema nervoso central são ativadas simultaneamente. Essas vias criam ciclos de feedback positivo e negativo que podem amplificar (facilitação da dor) ou reduzir (inibição da dor) as informações relacionadas ao estímulo nocivo. 

O córtex cerebral é o local onde ocorre a experiência consciente da dor, ou seja, a percepção. Além disso, o córtex exerce um controle descendente sobre a dor, enviando sinais inibitórios para a medula espinhal, modulando a sensação de dor. 

Esse mecanismo é conhecido como controle inibitório nocivo descendente. Assim, a informação nociceptiva que chega da periferia à medula espinhal é modulada tanto localmente quanto por sinais descendentes do córtex cerebral antes de ser finalmente processada e percebida como dor. 

A dor é considerada como tendo três componentes principais: 

  • Sensorial-discriminativo: se refere às propriedades mecânicas, térmicas, de vividez e espaciais da dor.   
  • Afetivo: De natureza subjetiva e emocional, associado com medo, tensão e respostas autônomas. 
  • Avaliativo: Relativo à magnitude e qualidade da dor, como ser descrita como “lancinante” ou “palpitante”, “leve” ou “severa”. 

Embora a experiência da dor em animais inclua esses três componentes, há uma tendência a focar apenas no componente avaliativo que considera a intensidade da dor, negligenciando seus aspectos afetivos e avaliativos. 

Diferenças entre dor aguda e crônica 

Tabela 2 

Diferenças entre dor aguda (adaptativa) e crônica (mal adaptativa) 
 Aguda Crônica 
Características Associada a danos teciduais potenciais ou reais: A dor surge em resposta a lesões existentes ou ao risco de lesões, alertando sobre possíveis danos ao tecido. Persistência prolongada: A dor crônica continua além do período esperado de recuperação de uma doença aguda e pode ocorrer mesmo na ausência de uma causa aparente. 
Finalidade: Tem como objetivo induzir uma mudança rápida no comportamento do animal, reduzindo danos e iniciando o processo de cicatrização. Desvinculada da cicatrização: Não está associada ao processo de reparação tecidual, persistindo independentemente da cura. Portanto possui pouca ou nenhuma utilidade protetora ou adaptativa para o organismo. 
Variação em gravidade: A intensidade da dor é proporcional ao grau de dano tecidual, podendo variar de leve a severa. Ausência de desfecho definido: Não apresenta um ponto final claro ou previsível. 
Autolimitante: A dor diminui gradualmente conforme a cicatrização avança e cessa completamente uma vez que o processo de reparo tecidual é concluído. Relação com doenças recorrentes: Frequentemente associada a condições de saúde que são recorrentes ou de longa duração. 
Exemplos Procedimentos cirúrgicos; trauma (cortes, ferimentos, fraturas); doenças de manifestação aguda (p.ex., pancreatite) Osteoartrite; câncer; doença periodontal 
Observações A dor aguda geralmente possui um papel protetor. No entanto, em situações de intervenções cirúrgicas ou terapêuticas controladas pode não ser necessária. É referente à dor cirúrgica aguda que evolui para uma condição crônica. 
Reflete o funcionamento do sistema fisiológico normal de transmissão da dor, sendo, por isso, mais facilmente tratada em comparação à dor crônica. Indivíduos com dor crônica podem vivenciar episódios isolados de dor aguda, conhecidos como “dor aguda na crônica” ou “ataques de dor”. 
Pode ser denominada “dor fisiológica” e pode estar associada a processos inflamatórios. Em alguns casos, essa condição é denominada “dor patológica”. 

Tipos de dor 

Dor inflamatória: Está ligada à dor pós-operatória aguda, caracterizada por seu surgimento imediato após o procedimento cirúrgico e que persiste apenas durante o período de cicatrização da ferida. 

Sua intensidade e duração costumam estar diretamente relacionadas à gravidade e à extensão do dano tecidual. Essa dor resulta principalmente da ativação de células inflamatórias e imunes, bem como da liberação de mediadores associados ao dano tecidual. 

As alterações no sistema nociceptivo que ocorrem durante a dor inflamatória são, na maioria dos casos, reversíveis, permitindo a restauração da sensibilidade normal do sistema de detecção da dor. No entanto, quando o insulto nocivo é severo ou há um foco de inflamação contínua, a dor pode persistir. 

A exposição prolongada ou de alta intensidade a estímulos nocivos resulta em mudanças progressivas na função do sistema de transmissão da dor. Essas alterações não se limitam aos neurônios, mas envolvem também células de suporte, como a glia, e células imunológicas ou inflamatórias.  

O envolvimento dessas células leva ao desenvolvimento de um estado patológico no sistema nociceptivo, resultando em uma dor crônica. 

Dor neuropática: A dor neuropática é causada ou desencadeada por uma lesão, ferimento ou disfunção primária que afeta o sistema nervoso periférico ou o sistema nervoso central (SNC). 

A dor neuropática está relacionada a uma ampla variedade de alterações no sistema nervoso periférico (SNP), na medula espinhal, no tronco cerebral e no cérebro.  

Essas mudanças ocorrem à medida que os nervos danificados passam a se ativar espontaneamente e desenvolvem uma hiper-responsividade tanto a estímulos inflamatórios quanto a estímulos normalmente inofensivos. Além disso, os sistemas endógenos que normalmente regulam a dor tornam-se menos funcionais, contribuindo para a persistência desse tipo de dor. 

Em humanos, exemplos clássicos de dor neuropática incluem a dor de membro fantasma após amputação e a neuropatia pós-herpética, sendo esta última uma das principais causas de dor pós-operatória em longo prazo.  

Na medicina veterinária, entretanto, há pouca informação descrita na literatura sobre a dor neuropática, possivelmente devido ao fato de que a definição em humanos se baseia amplamente em descrições subjetivas da qualidade da dor, como sensações de queimação, lancinantes ou dormência. 

Dor disfuncional: A dor funcional, ou disfuncional, é caracterizada por um estado em que o sistema nervoso está estruturalmente normal, sem danos físicos evidentes, mas apresenta um funcionamento anormal no sistema nervoso central (SNC). 

O processamento central anormal na dor funcional resulta da transmissão repetida de informações ao sistema nervoso central (SNC), o que provoca a plasticidade do sistema nervoso.  

Isso envolve alterações nos neurônios e na maneira como os elementos de apoio, como as células gliais, se comunicam com os neurônios. Como consequência, ocorre a amplificação e facilitação do processamento da informação nociceptiva.  

Da mesma forma que na dor neuropática, a inibição descendente também pode ser anormal, contribuindo para a persistência da dor. 

Dor clínica 

A dor clínica resulta de um sistema de transmissão de dor alterado, que pode ser causado por alterações agudas/adaptativas ou crônicas/patológicas/mal adaptativas. O tratamento eficaz da dor depende do entendimento desses mecanismos neurobiológicos subjacentes.  

Nesse contexto, a dor aguda foi subdividida em nociceptiva ou inflamatória, enquanto a dor crônica foi classificada como funcional ou neuropática. Embora essa classificação seja útil, é importante notar que muitas condições de dor clínica envolvem uma combinação desses tipos, como ocorre na osteoartrite, onde dor inflamatória e patológica coexistem. 

O sistema sensorial nociceptivo é inerentemente plástico e quando ocorre uma lesão ou inflamação nos tecidos, a sensibilidade da região afetada é intensificada, fazendo com que estímulos nocivos, e até estímulos normalmente inofensivos, sejam percebidos como dolorosos.  

As manifestações clínicas dessa sensibilização incluem hiperalgesia e alodinia. A hiperalgesia é uma resposta exagerada e prolongada a um estímulo nocivo, enquanto a alodinia é uma resposta dolorosa a um estímulo de baixa intensidade que normalmente não causaria dor, como o toque suave ou uma leve pressão na pele. Ambas as condições são consequências da sensibilização periférica e central. 

A sensibilização periférica resulta de alterações nas terminações nociceptivas causadas pela lesão ou inflamação tecidual. Mediadores inflamatórios e neurotransmissores liberados pelas células danificadas podem ativar diretamente os nociceptores ou sensibilizar as terminações nervosas.  

Isso leva a alterações duradouras nas propriedades funcionais dos nociceptores periféricos. Além disso, os nervos sensibilizados desempenham um papel na inflamação local por meio de um fenômeno denominado inflamação neurogênica, contribuindo para o que chamamos de “sensibilização periférica”. 

Trauma e inflamação também podem aumentar a transmissão nociceptiva. A continuidade dos estímulos nocivos na medula espinhal e em centros superiores resulta em alterações progressivas nos mecanismos da dor e nos sistemas analgésicos endógenos, o que leva à facilitação e amplificação desses sinais.  

A sensibilização central descreve as alterações na medula espinhal, mas também pode ocorrer em níveis supraespinhais, com redução na atividade dos controles inibitórios nocivos descendentes, incluindo os sistemas analgésicos endógenos.  

A sensibilização central pode ser observada após uma cirurgia, mas é mais comum em condições dolorosas prolongadas, nas quais há um fluxo contínuo de sinais nocivos no sistema nervoso central, como em cães e gatos com osteoartrite ou doença articular degenerativa (DAD), ou em cães com dor neuropática crônica. 

Abordagens gerais para tratamento da dor (Dor aguda e Dor Crônica) 

A dor é tratada de forma mais eficaz quando abordada precocemente, com um protocolo bem estruturado. Quando a dor já está estabelecida, seu tratamento se torna mais desafiador.  

Embora nem sempre seja possível prevenir a dor, sempre que for viável, a prevenção deve ser priorizada no plano analgésico. O objetivo do tratamento da dor é eliminá-la ou, no mínimo, reduzi-la ao mínimo possível. 

Os termos “analgesia preemptiva” e “analgesia preventiva” podem causar confusão. A analgesia preemptiva refere-se à administração de analgésicos antes de ocorrer o dano tecidual (geralmente no pré-operatório). Já a analgesia preventiva é uma abordagem mais ampla e adequada, que envolve o uso de analgésicos no pré, intra e pós-operatório, considerando todos os fatores perioperatórios que podem contribuir para a sensibilização periférica e central. Ela inclui técnicas e medicamentos que visam aliviar a dor ao longo de todo o processo cirúrgico.  

Os medicamentos mais comuns para analgesia preventiva são AINEs, anestésicos locais, opioides, agonistas alfa-2-adrenérgicos, antagonistas de NMDA (como cetamina) e gabapentina. A terapia fria, uma opção não farmacológica, é amplamente utilizada no pós-operatório, ajudando a reduzir a intensidade da dor perioperatória e contribuindo para a diminuição da dor pós-cirúrgica persistente. 

A analgesia multimodal envolve o uso combinado de terapias farmacológicas e não farmacológicas. A administração simultânea de medicamentos e tratamentos que atuam em diferentes pontos da via nociceptiva proporciona uma analgesia mais eficaz. 

Como cada medicamento visa um mecanismo distinto da dor, é possível administrar doses menores de cada substância, o que reduz os riscos de efeitos adversos. A escolha dos medicamentos dependerá da causa subjacente da dor, sua gravidade e duração.  

É essencial compreender a farmacologia de cada medicamento nas diferentes espécies, além de considerar a idade e as condições físicas dos pacientes. Por exemplo, os perfis farmacocinéticos podem variar entre pacientes adultos, pediátricos (filhotes de cães e gatos com menos de 12 semanas de idade), idosos (cães e gatos com mais de 75% da expectativa de vida) e pacientes com comorbidades, o que pode alterar os esquemas de dosagem. Os dados farmacocinéticos não devem ser extrapolados entre espécies, especialmente entre cães e gatos. 

Sempre que possível, terapias não farmacológicas devem ser incorporadas ao protocolo de manejo da dor. Emoções positivas desempenham um papel importante na redução da dor. Medidas para diminuir o estresse, medo e ansiedade, além de proporcionar estímulos mentais e físicos positivos, devem ser incentivadas.  

No período perioperatório, isso inclui garantir um ambiente confortável, quente e limpo para o descanso do animal, com espaço tranquilo, carícias suaves, interações positivas, esconderijos para gatos e passeios frequentes para cães. Na dor crônica, essas medidas devem ser mantidas, com foco em aumentar a atividade física, estimular comportamentos lúdicos, promover interações positivas que reforcem o vínculo entre o animal e o humano, e fornecer enriquecimento ambiental. 

Dor Aguda: A dor aguda é provocada por eventos traumáticos, cirúrgicos ou infecciosos. A dor perioperatória é um exemplo típico de dor aguda e pode ser dividida em quatro períodos principais: pré-operatório, intraoperatório, pós-operatório imediato (durante a hospitalização) e os períodos pós-operatórios subsequentes durante a fase de cicatrização.  

O plano analgésico adotado tem um impacto direto no grau de dor pós-operatória. O manejo da dor perioperatória deve incluir o uso de medicamentos de diferentes classes, aplicando os conceitos de analgesia preventiva e multimodal. Além dos medicamentos, o alívio da dor pode ser complementado com terapias não farmacológicas, como crioterapia, acupuntura, exercícios de movimento passivoe  massagem.  

Os cuidados de enfermagem também desempenham um papel crucial, considerando o ambiente físico, o manejo adequado das feridas, o esvaziamento da bexiga e as interações entre o humano e o animal, o que contribui para melhorar a experiência hospitalar. Sempre que possível, deve-se empregar técnicas que minimizem o trauma nos tecidos, como pequenas incisões ou cirurgias minimamente invasivas (artroscopia, laparoscopia).  

Se houver inflamação ou dor crônica presentes antes da cirurgia (como em piometria, câncer ou osteoartrite), a dor durante e após a cirurgia pode ser mais intensa, exigindo doses mais frequentes ou elevadas de analgésicos por um período mais longo. Esse fenômeno é frequentemente chamado de “crise aguda de dor crônica”. O uso de escalas de dor pode ajudar a otimizar os regimes analgésicos. 

Dor Crônica: A dor crônica, ou mal adaptativa, pode estar associada a uma condição primária ou ocorrer de forma independente. Em humanos, a dor crônica é frequentemente acompanhada de medo, ansiedade, depressão e raiva, sentimentos que podem intensificar a dor e seu impacto negativo na qualidade de vida do paciente. 

Embora possa afetar indivíduos de qualquer idade, os animais geriátricos são mais frequentemente acometidos. As mudanças comportamentais associadas à dor crônica geralmente se iniciam de forma gradual e sutil, sendo frequentemente subdiagnosticadas ou confundidas com o “envelhecimento normal”0  

Veterinários que tratam animais com doenças crônicas, como otite crônica, feridas persistentes, doença inflamatória intestinal ou osteoartrite (OA), devem sempre considerar a possibilidade de dor crônica associada. O tratamento deve ser orientado pela causa subjacente da dor, sua duração e a forma como foi tratada anteriormente.  

A dor crônica pode apresentar exacerbações agudas, com episódios de dor intensa, mesmo quando bem controlada anteriormente. A abordagem multimodal é provavelmente a mais eficaz, sendo fundamental educar o cuidador, especialmente sobre expectativas em relação ao tratamento e prognóstico.  

Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) são os pilares fundamentais do tratamento, mas novas terapias, como anticorpos monoclonais, têm mostrado bons resultados. Terapias adjuvantes também devem ser consideradas, com atenção especial para aquelas que podem reduzir a sensibilização disseminada. 

Em nossos outros artigos, abordaremos os principais temas discutidos no guideline para dor em cães e gatos.  

Reforçamos que nós da Digivets nos comprometemos em sempre traduzir, esclarecer e resumir o essencial de diversos assuntos pertinente dentro da prática veterinária para que você se mantenha sempre atualizado. 

Referências 

P. Monteiro, X. LasceLLes , J. MurreLL, S. Robertson, M. Steagall  e  B. Wright. Diretrizes da WSAVA de 2022 para reconhecimento, avaliação e tratamento de dor; 2022. 

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