A American Association of Feline Practitioners (AAFP) publicou em janeiro de 2020 no Journal of Feline Medicine and Surgery o último Guideline a respeito das retroviroses felinas, abrangendo o vírus da leucemia felina (FeLV) e o vírus da imunodeficiência felina (FIV). O documento é uma atualização do Guideline anterior sobre retrovírus felino da própria AAFP de 2008 e traz os conhecimentos atuais sobre diagnóstico, prevenção e manejo de infecções por retrovírus em felinos.
Neste artigo iremos discutir sobre prevenção, vacinação e temas que envolvem esses assuntos. Acesse nossos outros artigos voltados ao novo guideline sobre FIV e FeLV para saber mais:
A vacinação contra FIV e FeLV, fruto de uma colaboração entre médicos veterinários e tutores, é fundamental para ampliar as chances de prevenção das infecções retrovirais nos pets. Outras medidas protetivas que podem ajudar a conter a disseminação das infecções são: Implementação de protocolos de teste e vacinação, educação de funcionários de clínicas veterinárias, programas de lembrete de vacinação para tutores e um correto manejo ambiental.
Tradicionalmente, a infecção por FeLV tem sido vista principalmente como uma preocupação para gatos que são ‘amigáveis’ ou ‘sociais’ com outros gatos porque o contato próximo e íntimo entre gatos facilita a transmissão salivar. Esse tipo de contato pode ocorrer entre gatos por meio da amamentação, limpeza mútua e compartilhamento de comida, água e caixas de areia.
No entanto, a infecção também pode ocorrer por agressão, estudos mostraram que gatos que exibem comportamento agressivo têm um maior risco de infecção por FeLV. Fontes menos comuns de infecção por FeLV incluem contato com outros fluidos corporais (por exemplo, lágrimas, urina e fezes), transmissão transplacentária, uso de instrumentos cirúrgicos e odontológicos contaminados e transfusão de sangue.
Embora a suscetibilidade à infecção seja maior em gatos jovens, o risco acumulado de exposição ao longo da vida resulta em uma prevalência maior de infecção em gatos mais velhos. A maioria das infecções naturais por FIV provavelmente resultam de agressão entre gatos “hostis” já que o principal modo de transmissão é por meio de feridas por mordida. A transmissão raramente acontece da mãe para os filhotes em ambiente natural.
Fatores de risco para infecções por Vírus da Leucemia Felina e Vírus da imunodeficiência Felina
Para que se possa implementar estratégias de prevenção é necessário antes reconhecer os fatores de risco associados às infecções por FeLV e FIV. A prevenção ou minimização de fatores de risco que são passíveis de controle (por exemplo, estilo de vida, vacinação) devem ser avaliadas para cada animal. As características do paciente associadas ao aumento da prevalência de infecção por retrovírus estão listadas na tabela a seguir.
Tabela 1
Características de pacientes associadas ao aumento da prevalência de infecções por retrovírus | ||
FATOR DE RISCO | FeLV | FIV |
Machos | xx | xxx |
Não castrados | xx | xxx |
Acesso a rua | xxx | xxx |
Acesso a rua | xxx | xx |
Agressão entre gatos | xx | xxx |
Doenças (especialmente doenças bucais, abcessos e doenças no trato respiratório) | xxx | xxx |
Filhotes nascidos de uma mãe infectada | xxx | x |
Vacinação contra FIV e FeLV
A vacinação contra FIV e FeLV é uma das principais estratégias de prevenção para proteger os gatos contra essas infecções retrovirais. Embora não haja uma cura definitiva para essas infecções, a imunização pode ajudar a reduzir significativamente o risco de transmissão, especialmente em felinos que vivem em situações de maior exposição, como gatos com acesso à rua ou que convivem em ambientes com múltiplos animais.
Procurar conselho profissional é muito importante para entender se a vacinação contra FeLV e FIV é indicada para o seu gato e para garantir que ele esteja protegido de forma adequada. A prevenção é sempre a melhor escolha para garantir uma vida longa e saudável ao seu companheiro felino.
Vacinação contra o Vírus da Leucemia Felina
Embora o teste e a identificação de animais infectados por FeLV sejam necessários para prevenir novas infecção por FeLV, a vacinação também é uma importante ferramenta preventiva. O uso combinado de programas de teste e vacinação é a razão para a diminuição da prevalência de FeLV na Europa e América do Norte nas décadas iniciais após o vírus ter sido descoberto.
Em um estudo, o histórico de vacinação contra FeLV foi associado ao risco reduzido de infecção por FeLV em gatos com abscessos e feridos por mordida. Gatos não vacinados com feridas por mordida tinham 7,5 vezes mais probabilidade de serem infectados com FeLV do que gatos vacinados, sugerindo que a vacinação contra FeLV fornece proteção.
Várias vacinas para FeLV estão disponíveis, incluindo vacinas de vírus inativado, vacinas de subunidade recombinante e uma vacina de vetor de canarypox recombinante de subunidade geneticamente modificada. Mesmo assim ainda é difícil avaliar a eficácia real das vacinas por algumas razões.
A maioria dos ensaios de eficácia publicados foram pequenos estudos conduzidos em gatos de pesquisa e foram realizados ou apoiados pelos fabricantes de vacinas. Outros fatores que dificultam a interpretação de estudos de eficácia da vacina incluem a falta de protocolos de teste e desafio padrão, bem como a dificuldade de infectar grupos de controle de gatos adultos sem induzir imunossupressão.
Embora as vacinas contra FeLV tenham demonstrado proteger alguns animais contra infecção progressiva, a vacinação nem sempre impedirá a integração do DNA proviral após a exposição ao FeLV. Um estudo usando vacinas inativadas descobriu que, após o teste, os gatos vacinados não tinham
antígeno viral detectável, RNA viral, DNA proviral ou vírus infeccioso. Outros estudos mostraram que várias vacinas atuais falharam em prevenir consistentemente a integração do DNA proviral após a exposição ao FeLV.
No entanto, mesmo assim alguns estudos iniciais indicaram que a duração da imunidade ao FeLV persiste por pelo menos 12 meses após a vacinação e, em um estudo, a maioria dos gatos resistiu à infecção quando testados 2 anos após a vacinação. A vacinação contra FeLV não diminui a importância dos testes para identificar e isolar gatos que são progressivamente infectados.
Vacinação contra FeLV em gatos previamente infectados
Administrar vacinas contra FeLV a gatos infectados não tem valor terapêutico e toda vacinação desnecessária carrega o risco de potenciais reações adversas. Se o status de um gato vacinado for desconhecido e o gato for posteriormente determinado como tendo uma infecção progressiva por FeLV, a eficácia da vacina será questionada e a falha da vacina será suspeitada. Por isso os gatos devem ser testados para infecção por FeLV antes da vacinação inicial.
Vacinação contra FeLV em filhotes
As diretrizes de vacinação da AAFP de 2013 recomendaram a vacinação contra FeLV para todos os filhotes com até 1 ano de idade, e para gatos adultos em risco. A vacinação de todos os filhotes é altamente recomendada (pelo menos em áreas com alta prevalência de infecção). Pois os filhotes são mais suscetíveis à infecção progressiva, doenças associadas ao FeLV e morte se expostos ao FeLV em comparação com gatos adultos.
Para uma vacinação contra FeLV apropriada, é recomendada uma série primária de duas doses, com a primeira dose administrada já com 8 semanas de idade, seguida por uma segunda dose administrada 3–4 semanas depois.
Uma única vacinação de reforço deve ser administrada 1 ano após a conclusão da série inicial. Caso não haja mais risco com base no estilo de vida, ambiente e estado geral de saúde a vacinação pode ser descontinuada. As diretrizes de vacinação da AAFP de 2013 recomendam a revacinação a cada 2 anos para gatos com baixo risco de infecção e anualmente para gatos com maior risco.
Onde vacinas com duração de 3 anos de imunidade estão disponíveis, seu uso pode ser considerado. O Painel Consultivo de Vacinação Felina da AAFP de 2013 recomenda administrar vacinas subcutâneas contra FeLV no membro posterior esquerdo distal à articulação do joelho. Segue abaixo o protocolo de vacinação contra FeLV recomendado pela AAFP.
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Vacinação contra o Vírus Imunodeficiência Felina
Atualmente (2024) não existe vacina disponível no mercado brasileiro. Existia uma vacina (Fel-o-Vax FIV; Boehringer Ingelheim) de vírus inteiro inativado combinada com um adjuvante. Em 2015 essa vacina foi descontinuada nos Estados Unidos e no Canadá, porém ela permaneceu disponível na Nova Zelândia, Austrália e Japão. Essa é a única vacina para FIV comercialmente disponível no mundo. A Fel-o-Vax FIV é licenciada para a vacinação de gatos saudáveis com 8 semanas de idade ou mais. A variabilidade na eficácia da vacina foi detalhada.
Um estudo australiano; o único estudo de campo publicado até o momento da publicação do guideline; descobriu que a vacina tinha uma taxa de proteção de 56%. Um estudo usando um isolado de FIV no Reino Unido descobriu que a vacina falhou em proteger alguns dos gatos analisados. Já outro estudo realizado na Austrália que analisou gatos domésticos vacinados encontrou poucos anticorpos neutralizantes, sugerindo que os animais podem não estar protegidos contra algumas cepas recombinantes virulentas naquele país.
A vacinação contra FIV é classificada como não essencial de acordo com a Feline Vaccination Advisory Panel da AAFP de 2013, mas é recomendada para gatos com alto risco de exposição, como gatos com acesso ao ar livre ou aqueles que convivem com gatos infectados com FIV.
O guideline sobre vacinação da AAFP de 2013 recomenda que os donos sejam informados sobre as dificuldades na interpretação de alguns resultados de teste para FIV em gatos vacinados e a baixa taxa de proteção da vacina. Além disso, a AAFP recomenda que todos os gatos, incluindo gatos vacinados para FIV, devem portar identificação visual e permanente, como um microchip ou coleira.
Caso seja decidido vacinar um gato em risco de infecção, o gato deve ser testado para FIV antes da vacinação. Uma série inicial de três doses é administrada por via subcutânea com intervalo de 2 a 3 semanas. A revacinação anual é recomendada se o risco de infecção persistir.
Referências
- AAFP, Feline Retrovirus Testing and Management Guidelines. 2020; doi: 10.1177/1098612X19895940