Por Digivets

Outubro 1, 2025

Dr. Scott J. Campbell_Obesidade 50° Congresso da WSAVA

A obesidade é uma das condições de saúde mais preocupantes do século XXI — e não apenas para seres humanos. O tema foi amplamente debatido no 50° Congresso Mundial da WSAVA (World Small Animal Veterinary Association), realizado no Rio de Janeiro, com a apresentação do trabalho “Manejo da Obesidade”, conduzido pelos especialistas Dr. Scott J. Campbell, do Ipswich Veterinary Group (Austrália), e Dr. Tony S. Reed, da Inspira Health (EUA).

A obesidade como desafio global

Segundo dados citados na apresentação, em 2022 a Organização Mundial da Saúde estimou que 43% dos adultos no mundo estavam acima do peso e 16% viviam com obesidade. A realidade também se reflete nos animais de companhia: cães e gatos apresentam prevalências crescentes, com taxas que variam de 11,5% a 52% em felinos. Estudos indicam ainda que o peso dos tutores influencia diretamente a condição corporal de seus cães, demonstrando o impacto do vínculo humano-animal na saúde.

Impactos clínicos e qualidade de vida

Nos cães, a obesidade está associada a doenças ortopédicas, de pele, renais, pancreatite e até neoplasias, além de reduzir a expectativa de vida. Em gatos, os principais problemas incluem diabetes mellitus, claudicação e distúrbios dermatológicos. Em ambas as espécies, o excesso de peso agrava doenças preexistentes, dificulta a reprodução e altera o metabolismo de medicamentos. O Purina Lifespan Study, um dos poucos estudos prospectivos, mostrou que manter cães com escore de condição corporal adequado aumenta significativamente a longevidade e a qualidade de vida.

Avaliação e diagnóstico

Enquanto o Índice de Massa Corporal (IMC) é o parâmetro clínico mais usado em humanos, a avaliação por escore de condição corporal (ECC) é a ferramenta padrão em pequenos animais. Os especialistas ressaltaram que, além do exame físico e laboratoriais, é essencial coletar um histórico alimentar completo e investigar o ambiente e o nível de atividade física.

Estratégias de prevenção e tratamento

Para pacientes já obesos, os palestrantes defenderam uma abordagem multifacetada, que inclui restrição calórica, dietas formuladas para perda de peso, aumento da atividade física e monitoramento rigoroso da evolução. A meta ideal é reduzir de 1% a 2% do peso corporal por semana. Tecnologias como balanças domésticas e alimentadores automáticos têm ajudado tutores a acompanhar os resultados.

Em humanos, recomenda-se a criação de um déficit energético diário de 500 a 1.000 kcal, sempre respeitando estilo de vida e preferências alimentares. Para cães e gatos, a transição para dietas específicas, associada ao controle de petiscos (menos de 10% das calorias diárias), é fundamental para evitar deficiências nutricionais.

O papel dos tutores e da medicina preventiva

Campbell e Reed destacaram que o sucesso dos planos depende da adesão e conscientização dos tutores, o que exige comunicação clara e uso de ferramentas como a Entrevista Motivacional para superar resistências. O exercício físico regular — cerca de 150 minutos por semana em humanos e atividades adaptadas para os pets — também foi apontado como componente essencial.

Perspectivas futuras

O manejo da obesidade exige colaboração multidisciplinar e uma visão integrada da saúde, alinhada ao conceito de One Health. “Embora não possamos garantir que todos os planos resultem no peso ideal, o fracasso é certo sem qualquer tentativa”, enfatizaram os especialistas.

Com essa abordagem conjunta entre medicina humana e veterinária, o futuro aponta para novas intervenções e maior eficácia no enfrentamento da obesidade, que hoje representa uma pandemia silenciosa com impactos profundos no bem-estar de pessoas e animais.

Dr. Scott J. Campbell_Obesidade 50° Congresso da WSAVA
Dr. Scott J. Campbell, do Ipswich Veterinary Group (Austrália)

Veja a íntegra do texto dos proceedings do Congresso.

MANEJO DA OBESIDADE

Scott Campbell1, Tony Reed2 1Ipswich Veterinary Group, Small Animal Medicine, Booval, Australia, 2Inspira Health, Corporate/executive, Mullica Hill, United States of America

Qualificações:

Scott J. Campbell, BVSc (Hons), MANZCVS, DACVIM, Diretor, Ipswich Veterinary Group, Ipswich, QLD, Austrália, ausvetcon@hotmail.com

Tony S. Reed, MD, PhD, MBA, Vice-Presidente Sênior de Assuntos Médicos, Inspira Health, Mullica Hill, NJ, EUA, reedt1@ihn.org

Nesta apresentação, definimos a prevalência, os fatores de risco, os problemas e os métodos para avaliar a obesidade. Nosso objetivo é descrever como os humanos podem manter estilos de vida e parâmetros corporais saudáveis ​​para ambos os membros da díade humano-animal de companhia. Por fim, buscamos identificar estratégias de perda de peso por meio da dieta e de estilos de vida saudáveis. A Organização Mundial da Saúde relatou que, globalmente, em 2022, 43% dos humanos adultos com 18 anos ou mais estavam acima do peso e 16% viviam com obesidade (1).

A prevalência da obesidade canina também aumentou significativamente na maioria das nações industrializadas (2). Um estudo recente indicou que ser um dono de cão acima do peso foi o fator mais importante na ocorrência de obesidade em cães (3). Sobrepeso e obesidade também são distúrbios comumente observados em gatos, com taxas entre 11,5% e 52% relatadas (4).

Sobrepeso e obesidade são condições complexas e multifatoriais devido a um balanço energético positivo sustentado, refletindo a soma líquida do consumo de energia e do gasto energético (2). A ingestão e o gasto energético são influenciados por muitos fatores, incluindo níveis hormonais, acesso a alimentos e ingestão subsequente, atividade física, genética, ambiente, microbioma e conscientização do cuidador sobre a necessidade de adaptação individual das práticas alimentares.

O cálculo do índice de massa corporal (IMC) é a avaliação clínica mais comumente usada para excesso de gordura corporal em humanos, enquanto o escore de condição corporal (ECC) é a ferramenta mais frequentemente utilizada na prática de pequenos animais. Em 2021, o sobrepeso e a obesidade em humanos causaram cerca de 3,7 milhões de mortes por doenças, incluindo doenças cardiovasculares, diabetes, câncer, distúrbios neurológicos, doenças respiratórias crônicas e distúrbios digestivos (1).

As condições de saúde associadas à obesidade em cães incluem expectativa de vida reduzida, doenças ortopédicas, doenças de pele, neoplasia, urolitíase, alterações renais e pancreatite. As condições de saúde conhecidas por estarem associadas à obesidade em gatos incluem diabetes mellitus, claudicação e doenças de pele. Tanto em cães quanto em gatos, sabe-se que a obesidade exacerba outras condições médicas, altera o metabolismo de medicamentos, causa dificuldades de reprodução e pode aumentar o estresse oxidativo crônico. Um dos poucos estudos prospectivos é o Purina Lifespan Study, que mostrou melhorias drásticas na expectativa de vida e na qualidade de vida ao manter os labradores retrievers com um BCS magro ao longo da vida (5).

O objetivo da nutrição preventiva é manter a saúde. Existem muitas abordagens compartilhadas entre cães, gatos e humanos. A prevenção do sobrepeso e da obesidade, por meio do reconhecimento precoce e da educação, são metas valiosas para evitar sofrimento desnecessário. Para indivíduos já com sobrepeso ou obesidade, é necessária uma abordagem abrangente com intervenções específicas e acompanhamento definido.

Para cães e gatos, o tutor deve estar disposto a fazer as mudanças necessárias. Recomenda-se um exame físico, exames laboratoriais de rotina, avaliação por meio de um histórico alimentar completo, detalhamento de tentativas anteriores de perda de peso e exploração do ambiente e da atividade física. Reconhece-se que discutir o excesso de peso corporal (BCS) é apenas um dos muitos pontos importantes que precisam ser abordados dentro das limitações de tempo de uma consulta, mas, apesar das considerações óbvias de triagem, é aconselhável sempre tentar o contato, dada a frequência e a gravidade dos problemas que surgem se o excesso de peso não for abordado.

Mesmo com planos estruturados de perda de peso para animais individuais com problemas de bem-estar, os resultados estão longe de ser perfeitos. No entanto, somos incentivados a tentar intervir em cada consulta, com os tutores dispostos a ouvir. Os resultados e as limitações da discussão devem ser anotados no prontuário médico. Os planos de tratamento para humanos obesos devem aplicar uma visão holística para auxiliar os pacientes.

Recomenda-se uma abordagem multifacetada com prevenção, tratamento da obesidade e intervenções para reduzir os efeitos da obesidade. A colaboração multidisciplinar, combinando a experiência e as habilidades de diversas áreas, tem maior probabilidade de atingir as metas de controle de peso. Desenvolver a conscientização e o comprometimento dos tutores com o plano de perda de peso recomendado é fundamental para o sucesso do plano de perda de peso de um animal de estimação (6). Reservar um tempo para entender as percepções errôneas do tutor e colaborar na construção de um plano de perda de peso viável contribui para o sucesso. Revisar os parâmetros de saúde e fornecer recursos visuais pode ser benéfico (7).

Considerar o estágio de mudança do tutor e o uso de técnicas de Entrevista Motivacional podem ser úteis. Focar nos riscos à saúde que são importantes para os tutores também pode ser útil (8). Recomendações dietéticas baseadas em evidências para humanos com sobrepeso ou obesos incluem o planejamento individual para criar um déficit energético de 500 a 1.000 kcal/dia, utilizando uma variedade de abordagens dietéticas (9).

Embora muitas opções diferentes de dieta para perda de peso estejam disponíveis e possam funcionar, elas apresentam riscos e benefícios específicos. Considerar o estilo de vida e as preferências alimentares de um indivíduo é essencial para garantir o sucesso de qualquer plano alimentar. Recomendações dietéticas para perda de peso para cães e gatos sugerem restrição calórica em relação à ingestão calórica diária anterior quando o peso estiver estável ou começando com médias calculadas pela população de pares quando a ingestão calórica diária de um indivíduo não puder ser determinada.

A transição para uma dieta formulada para perda de peso ativa, que tenha conteúdo nutricional aprimorado com base em calorias, é preferível para reduzir o risco de deficiência nutricional. Oferecer menos de 10% das calorias diárias como guloseimas, mudar gradualmente as dietas para garantir aceitação e tolerância, aumentar as brincadeiras ou o esforço com a alimentação, alimentar mais de uma vez ao dia e pesar ou automatizar a alimentação são sugestões adicionais comuns para um plano de perda de peso.

O monitoramento rigoroso da taxa de perda de peso ao longo do tempo é uma parte crítica de planos bem-sucedidos, e uma meta de perda de peso de 1 a 2% do peso corporal atual por semana é considerada ideal, a menos que outras condições exijam maior cautela. Tecnologias como balanças domésticas e dispositivos de alimentação automatizados demonstram ser valorizadas pelos tutores. Medicamentos para obesidade são amplamente utilizados no tratamento da obesidade humana e foram testados em animais de companhia (10), portanto, outras opções podem estar disponíveis no futuro. O exercício é uma consideração valiosa em muitos programas de perda de peso.

Recomendações baseadas em evidências para humanos sugerem 150 minutos por semana de atividades de intensidade moderada a alta (9). Recomendações semelhantes de atividades são feitas para animais de companhia, se toleradas. A reavaliação da perda de peso ao longo do tempo, com foco em resultados positivos, é fundamental para o sucesso em muitos casos. Embora a obtenção e a manutenção de um peso ideal não possam ser garantidas com todos os planos, o fracasso é certo sem qualquer tentativa ponderada.

Dada a regularidade da obesidade e as consequências devastadoras da inação, os clínicos que trabalham em ambos os lados do vínculo humano-animal são encorajados a tentar ativamente soluções. Uma ampla variedade de intervenções focadas em animais de estimação e técnicas de gestão de tutores estão sendo investigadas, portanto, o futuro provavelmente reserva ainda mais promessas de controle e eventual triunfo sobre a pandemia da obesidade. As futuras parcerias da One Health em pesquisa básica, translacional e clínica beneficiarão todas as espécies.

Referências

1. GBD 2021 Risk Factors Collaborators. Global burden and strength of evidence for 88 risk factors in 204 countries and 811 subnational locations, 1990-2021: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2021. Lancet. 2024 May 18;403(10440):2162-2203.

2. Vanelli K, Wisneski RF, Estevão C, Mayer FC, Costa LB, Webber SH, et al. Impact of Hypocaloric Diets on Weight Loss and Body Composition in Obese Dogs: A Meta-Analysis. Animals (Basel). 2025 Jan 14;15(2):210.

3. Suarez L, Bautista-Castaño I, Peña Romera C, Montoya-Alonso JA, Corbera JA. Is Dog Owner Obesity a Risk Factor for Canine Obesity? A “One-Health” Study on Human-Animal Interaction in a Region with a High Prevalence of Obesity. Vet Sci. 2022 May 22;9(5):243.

4. Hoelmkjaer KM, Bjornvad CR. Management of obesity in cats. Vet Med (Auckl). 2014 Sep 1;5:97-107.

5. Kealy RD, Lawler DF, Ballam JM, Mantz SL, Biery DN, Greeley EH, et al. Effects of diet restriction on life span and age-related changes in dogs. J Am Vet Med Assoc. 2002 May 1;220(9):1315-20.

6. Porsani MYH, de Oliveira VV, de Oliveira AG, Teixeira FA, Pedrinelli V, Martins CM, et al. What do Brazilian owners know about canine obesity and what risks does this knowledge generate? PLoS One. 2020 Sep 21;15(9):e0238771.

7. Janke N, Coe JB, Bernardo TM, Dewey CE, Stone EA. Use of health parameter trends to communicate pet health information in companion animal practice: A mixed methods analysis. Vet Rec. 2022 Apr;190(7):e1378.

8. Davies AR, Sutherland KA, Groves CNH, Grant LE, Shepherd ML, Coe JB. Impact on life expectancy was the most important information to clients when considering whether to take action for an overweight or obese dog. J Am Vet Med Assoc. 2024 Mar 19;262(6):808-817.

9. National Heart, Lung, and Blood Institute. Managing overweight and obesity in adults: Systematic evidence review from the obesity expert panel. s.l. : US Department of Health and Human Services National Institutes of Health, 2013.

10. Zomer HD, Cooke PS. Advances in Drug Treatments for Companion Animal Obesity. Biology (Basel). 2024 May 11;13(5):335.

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