A comunidade científica e ambientalista do mundo inteiro se despede de Jane Goodall, primatóloga, etóloga, antropóloga e ativista britânica que faleceu nesta quarta-feira (1 de outubro) em Los Angeles – Califórnia, aos 91 anos, deixando como herança um legado de ciência, empatia e compromisso inabalável com a preservação da vida.
Sua trajetória não apenas revolucionou o estudo do comportamento animal, mas também despertou uma consciência global sobre a necessidade de uma relação mais respeitosa e ética entre os homens e os outros seres vivos.
O legado de Jane Goodall
A morte de Jane Goodall encerra uma vida extraordinária, marcada por descobertas científicas, ativismo incansável e uma mensagem de esperança. No entanto, seu legado permanece vivo nas organizações que fundou, nos livros e filmes que produziu e, sobretudo, nas mentes e corações de milhões de pessoas que se inspiraram em sua trajetória.
Mais do que uma cientista, Jane Goodall foi uma voz que uniu ciência e compaixão, razão e sensibilidade. Ao olhar nos olhos dos chimpanzés de Gombe, ensinou a humanidade a enxergar em si mesma a responsabilidade de construir um mundo em que homens e animais coexistam em harmonia. Seu trabalho continua sendo um convite à reflexão: respeitar os animais não é apenas uma escolha ética, mas um caminho para um futuro mais justo e sustentável.
Enquanto o mundo lamenta sua partida, celebra-se também a vida de uma mulher que transformou a forma como entendemos a natureza e o nosso papel dentro dela. O legado de Jane Goodall, mais do que científico, é humano: acreditar que cada gesto de cuidado e respeito pode mudar o destino do planeta.

Os primeiros passos de Jane Goodall
Nascida em Londres, em 1934, desde a infância Jane Goodall nutria uma curiosidade viva pelo mundo animal, inspirada por livros e histórias que retratavam a vida selvagem africana. Seu sonho de conhecer de perto os animais que a fascinavam começou a se concretizar em 1957, quando viajou ao Quênia para visitar a fazenda de um amigo. Lá, conseguiu um emprego como secretária e, em meio a esse trabalho, entrou em contato com o renomado paleontólogo e arqueólogo Louis Leakey.
Leakey, interessado em compreender os primeiros hominídeos a partir do estudo dos grandes primatas, logo reconheceu em Goodall uma candidata promissora. Embora inicialmente a contratasse como secretária, rapidamente a incentivou a se dedicar à observação de chimpanzés. Com o apoio de sua esposa, a paleoantropóloga Mary Leakey, ele enviou Jane à Garganta de Olduvai e, posteriormente, a Gombe, em 1960, onde deu início às pesquisas que mudariam para sempre a primatologia.
Para atender às exigências da época, Jane foi acompanhada por sua mãe durante os primeiros meses em campo, algo que a própria cientista reconheceria como fundamental para a continuidade de sua carreira. Em um período em que a primatologia era dominada por homens, sua perseverança, aliada ao incentivo de Leakey, abriu caminhos para a entrada de mais mulheres nesse campo.
Mesmo sem ter formação universitária, Goodall foi enviada a Cambridge em 1962, tornando-se a oitava pessoa a obter um doutorado na instituição sem possuir graduação prévia. Sua tese, concluída em 1965 sob orientação de Robert Hinde, intitulada Behaviour of free-living chimpanzees, relatou cinco anos de estudos pioneiros no Parque Nacional de Gombe e consolidou seu nome entre os principais cientistas do século.
Anos mais tarde, em 2006, a Universidade Aberta da Tanzânia concederia a Jane Goodall o título de bacharel em Ciências, em reconhecimento ao impacto de sua trajetória e de suas contribuições.
Descobertas revolucionárias em Gombe
Foi em Gombe, a partir de 1960, que Jane Goodall transformou para sempre a primatologia e o entendimento da relação entre humanos e chimpanzés. Em contraste com os padrões científicos da época, ela se recusou a numerar os indivíduos observados e passou a dar-lhes nomes (como Fifi e David Greybeard) reconhecendo neles personalidades únicas, emoções complexas e laços afetivos duradouros.
Essa abordagem, considerada ousada, permitiu revelar comportamentos como abraços, beijos, brincadeiras e demonstrações de empatia, características até então vistas como exclusivamente humanas.
Entre suas descobertas mais marcantes, Goodall documentou que os chimpanzés eram capazes de fabricar e utilizar ferramentas, ao “pescar” cupins com galhos adaptados, derrubando a crença de que apenas os seres humanos possuíam essa habilidade. A revelação foi tão impactante que Louis Leakey declarou: “Devemos agora redefinir o ser humano, ou redefinir ferramenta, ou aceitar os chimpanzés como humanos”.
Além disso, suas pesquisas mostraram que eles não eram estritamente vegetarianos, registrando caçadas em grupo a macacos colobus, e também expôs comportamentos agressivos e até violentos, como infanticídio, canibalismo e disputas sangrentas entre bandos.
Esse conjunto de observações, reunindo gestos de ternura e episódios de brutalidade, revelou ao mundo que os chimpanzés compartilham conosco não apenas uma grande semelhança genética, mas também as contradições da natureza social: capazes de afeto profundo e, ao mesmo tempo, de violência.
Ao conviver de maneira tão próxima com os animais, chegando a ser aceita pela comunidade de Gombe, Jane Goodall mostrou que a linha entre “humanidade” e “animalidade” é muito mais tênue do que se imaginava.
Suas descobertas mudaram o paradigma científico da época e deram base para sua defesa apaixonada de que a ciência não pode se dissociar da ética. Para ela, compreender os chimpanzés era apenas o início: protegê-los e preservar seus habitats era a verdadeira missão.
Da pesquisa ao ativismo global
A vida de Jane Goodall não se restringiu às descobertas científicas em Gombe. Ao longo das décadas, ela se tornou uma das vozes mais influentes do movimento ambientalista, dedicando-se à defesa dos animais e da natureza. Em 1977, fundou o Instituto Jane Goodall, que hoje atua em dezenas de países promovendo a conservação da vida selvagem e o bem-estar animal.
Pouco depois, lançou o programa Roots & Shoots, voltado a engajar crianças e jovens em ações voltadas à proteção de pessoas, animais e do planeta. Essas iniciativas criaram uma rede global de voluntários e ativistas que seguem amplificando sua mensagem.
Reconhecida pelo carisma e pela capacidade de comunicação, Goodall foi presença constante em conferências, documentários e livros, transmitindo sempre a convicção de que empatia e respeito pelos animais são essenciais para a sobrevivência da humanidade.
Sua atuação também incluiu críticas à exploração de animais em cativeiro, ao tráfico de espécies e à destruição de habitats. Para ela, ciência e ética eram inseparáveis: conhecer os chimpanzés era apenas o começo; protegê-los, junto com suas florestas, era a verdadeira missão.
A trajetória pessoal de Jane também foi marcada por capítulos importantes. Em 1964, casou-se com o fotógrafo de vida selvagem Hugo van Lawick, com quem teve um filho, Hugo Eric Louis, nascido em 1967. O casal se separou em 1974. No ano seguinte, ela se casou novamente, desta vez com Derek Bryceson, membro do Parlamento da Tanzânia e diretor dos parques nacionais, que faleceu em 1980. Sua posição no governo foi determinante para proteger o projeto de pesquisa em Gombe contra pressões externas, incluindo o turismo predatório.
Apesar de sua dedicação aos chimpanzés, Goodall sempre afirmou que seu animal favorito era o cão, companheiro de infância e símbolo de lealdade em sua vida. Ela também conviveu com a prosopagnosia, uma condição que dificulta o reconhecimento de rostos familiares, mas nunca permitiu que isso limitasse sua interação com pessoas ao redor do mundo.
Jane Goodall morreu aos 91 anos, em 1º de outubro de 2025, em Los Angeles, Califórnia, de causas naturais. Sua partida encerra uma vida extraordinária, mas sua obra permanece como um chamado à compaixão e ao compromisso com a preservação do planeta e de todos os seus habitantes.

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