Por Digivets

Agosto 22, 2025

Marcelo_Molento_Ricardo_Oliveira
Nessa entrevista exclusiva o Digivets conversou com o Prof. Marcelo Beltrão Molento, Professor Titular da Universidade Federal do Paraná e Presidente do Comitê Organizador Local (COL) dessa edição da WAAVP, sobre o evento, seus impactos e legados. Veja agora a entrevista na íntegra.
Ricardo_Marcelo_Presidente_COL_WAAVP
Marcelo Molento, presidente do Comitê Organizador Local do WAAVP Curitiba em entrevista com Ricardo Oliveira, editor do portal Digivets

Digivets: Prof. Marcelo, quando observamos um evento dessa magnitude acontecendo, muitas vezes não se tem a dimensão do trabalho necessário, em especial o esforço inicial para convencer a realização de uma iniciativa desse porte no Brasil, em Curitiba. Poderia nos contar um pouco sobre como foi esse processo e os desafios enfrentados?

Prof. Marcelo: Pois é, essa é uma das perguntas assim que eu mesmo me faço quando eu quero recapitular o início de tudo isso que está acontecendo aqui… SE olharmos para trás foi um processo de dez anos! Em 2015 foi quando surgiu a vontade de trazer esse evento para cá. Em 2019 foi que tomamos a decisão de ‘comprar a briga’ realmente.

Digivets: Imagino que foi um esforço que envolveu muita gente…

Prof. Marcelo: Sim! Com toda a certeza. Pessoas como o professor Lívio Martins, A Dra. Luciane Fertonani, o Guilherme Klafke, Profa. Norma Labarthe o Professor Gervásio Bechara, e outros.

Então a gente consegue reunir um grupo de pessoas, pequeno, para tomar as decisões, para levar a sério e vamos embora, vamos seguir. Seguimos com o vamos, tomada a decisão do vamos. Com esse grupo formado, foi na reunião de Madison nos EUA quando eu já comecei a fazer contatos lá para dizer que nós tínhamos, então, vontade de trazer o evento para o Brasil.

O processo para trazer o evento a Curitiba exigiu anos de preparação. Após o preenchimento do formulário de candidatura, iniciou-se um trabalho intenso entre 2019 e 2021, que incluiu uma apresentação oficial na reunião online de Berlim, durante a pandemia. A disputa foi acirrada, especialmente contra a própria cidade de Berlim, e contou com a mobilização de representantes brasileiros no comitê e da empresa organizadora Marc Messi.

A proposta de Curitiba destacou-se não apenas pela viabilidade orçamentária — cerca de 60% a 70% do orçamento de Berlim —, mas também por inovações inéditas, como o WAVP Talks, que promoveu maior interação e dinamismo ao final de cada dia, e o compromisso de realizar o encontro com neutralidade de carbono, o que foi considerado um diferencial relevante.

O processo de preparação do evento se intensificou a partir de 2023, após a confirmação oficial na Índia. Nos dois anos seguintes, as macro decisões abriram caminho para uma fase de dedicação total, sobretudo na captação de recursos, definição do programa científico e organização da estrutura. O último ano, em especial os seis meses finais, concentrou os ajustes de maior detalhe, desde cardápios até infraestrutura tecnológica. Um exemplo emblemático foi a escolha de investir em um telão curvo de 15 metros por 3 metros para a plenária, uma decisão que refletiu o planejamento financeiro prévio e garantiu impacto visual ao longo dos cinco dias de evento.

Digivets: Uma coisa que me impressionou foi a quantidade de países representados! Cinquenta e dois países é um número sensacional!

Prof. Marcelo: O fato de termos feito os ingressos extremamente baratos para atrair pessoas da América Latina, da África bastante e da Ásia, então países do sul global com uma necessidade de estar presente em uma conferência internacional grande foi fundamental. E para essas pessoas, a chance de conviver e trocar experiências com nomes de peso, pesquisadores famosos é inestimável.

Marcelo Molento, presidente do Comitê Organizador Local do WAAVP Curitiba em entrevista exclusiva para o Portal Digivets

Digivets: Que pontos você destacaria como as grandes inovações desta edição da WAAVP?

Prof. Marcelo: A edição do evento destacou-se pelo compromisso com a diversidade e a inclusão, um dos pontos centrais da organização local. Mais do que garantir equilíbrio de gênero entre palestrantes, os organizadores implementaram medidas inéditas, como a criação de uma sala inter-religiosa para orações, a disponibilização de banheiros neutros e a definição de 22 itens diferenciais voltados à acessibilidade e ao bem-estar dos participantes. Além da excelência científica, o encontro também valorizou a cultura nacional, com a apresentação de fandango na abertura, o canto do hino brasileiro e a oferta de palestras em português, reforçando o caráter plural e acolhedor do evento.

Digivets: Do ponto de vista da parasitologia, das discussões hoje, como você enxerga que o programa contemplou os grandes desafios de controle de pragas vetores, doenças, em um tempo de mudança climática? Eu vi alguns painéis que focaram bastante nisso. Foi uma preocupação desde o começo ter uma agenda técnica adequada a responder os desafios de hoje?

Prof. Marcelo: Sim, com certeza, sim. A tradição de Curitiba em sediar grandes congressos de parasitologia veterinária remonta a 2008, quando o evento nacional já se destacou pela diversidade de temas abordados. Agora, com oito representantes de diferentes regiões brasileiras no comitê local, o congresso ampliou ainda mais sua abrangência científica. Foram definidas 18 subáreas, incluindo tópicos emergentes como mudanças climáticas, saúde única, epigenômica, microbioma, metagenômica e transcriptoma, sem deixar de lado áreas tradicionais como epidemiologia, resistência a drogas e parasitas em animais domésticos, de produção e silvestres. Sessões específicas sobre aves, jumentos e fauna selvagem também reforçam o caráter inovador e plural do encontro, atraindo especialistas que ainda não tinham contato próximo com a iniciativa.

Digivets: O apoio das empresas foi maciço no evento!

Prof. Marcelo: Sim. Conseguimos demonstrar que teríamos um evento científico de peso internacional, reunindo pesquisadores, universidades, centros de pesquisa e as principais indústrias farmacêuticas do mundo. A participação expressiva da indústria chamou a atenção: todas as empresas parceiras entraram na categoria máxima de patrocínio e algumas chegaram a solicitar cotas ainda mais exclusivas, com direito a naming rights e dias inteiros de programação dedicados à sua marca.

Além do patrocínio principal, houve apoio extra para iniciativas paralelas, como a produção de camisetas para equipes de apoio, lounges de descanso e até estações de carregamento de celulares para os participantes. Esses aportes adicionais reforçaram a dimensão e a força do evento, que foi além da pauta científica e se destacou também pela inovação em sua organização e infraestrutura.

Digivets: Um outro ponto interessante foi a neutralidade de carbono do evento. Como foi esse processo?

Prof. Marcelo: O evento também inovou ao adotar o compromisso de ser carbono zero, com ações que vão além da compensação tradicional. Em parceria com empresas apoiadoras, foi lançado um projeto de reflorestamento no sul da Bahia, a cerca de 80 quilômetros de Ilhéus, em uma área historicamente degradada pela exploração do cacau e do cravo. O plano prevê a recuperação de quatro nascentes com o plantio de 2.500 a 3.000 árvores, aliado a um acompanhamento de longo prazo.

A iniciativa será conduzida pela OCT, organização local que garantiu a manutenção e o monitoramento da área em conjunto com produtores rurais ao longo dos próximos 30 anos. O objetivo não é apenas plantar, mas assegurar a recuperação efetiva do ecossistema e a proteção dos recursos hídricos da região.

Digivets: Pegando esse gancho, o que mais você vê como legado do evento?

Prof. Marcelo: O congresso marca um divisor de águas para a parasitologia brasileira, ao conectar pesquisadores do país com instituições e empresas de diferentes partes do mundo. Durante o evento, muitos profissionais relataram já ter iniciado negociações para projetos conjuntos, colaborações com universidades estrangeiras e até mesmo testes de novos produtos a pedido da indústria. O ambiente de intercâmbio não se restringe apenas a especialistas experientes: mais da metade dos participantes tem menos de 35 anos, o que reforça a vocação do encontro como espaço de formação e oportunidades para jovens cientistas.

A realização em inglês foi outro fator decisivo para ampliar o alcance internacional. Embora houvesse forte presença de participantes que falam português e espanhol, todos acompanharam as palestras na língua oficial do evento, o que garantiu maior integração entre diferentes nacionalidades. Isso permitiu a formação de grupos mistos, reunindo brasileiros, europeus, asiáticos e africanos em diálogos que ultrapassaram barreiras linguísticas.

No total, o congresso contou com representantes de 52 países, uma marca celebrada pelos organizadores como símbolo do caráter global e inclusivo da iniciativa. A diversidade de nacionalidades e o dinamismo das interações consolidaram o evento como um espaço estratégico para fomentar redes de pesquisa, consolidar colaborações científicas e impulsionar a visibilidade internacional da ciência produzida no Brasil.

Digivets: Finalmente, como veterinário, eu sempre tive a impressão que a parasitologia dentro do currículo ficava um pouquinho relegada a um segundo plano. E aí, ao ver um evento desse com repercussão de mídia, você acha que também ajuda a trazer mais para evidência dentro da formação dos futuros profissionais da área?

Prof. Marcelo: Sim, eu concordo plenamente com essa colocação.

Acredito que, quanto mais atenção conseguirmos atrair para a área, melhor será para todos os profissionais envolvidos. Concordo plenamente que a parasitologia e as doenças parasitárias ainda ocupam um espaço secundário, muitas vezes considerada uma disciplina de suporte dentro da medicina veterinária. Ela é vista como parte de um conjunto que inclui cirurgia, nutrição, diagnóstico, radiologia e outras áreas necessárias ao trabalho com grandes e pequenos animais, além da medicina de animais silvestres.

Nesse sentido, a parasitologia raramente se apresenta como uma disciplina isolada, mas como um conhecimento instrumentalizado, que complementa protocolos sanitários e práticas de manejo. Ainda assim, quando o profissional está devidamente preparado nesta área, esse diferencial se reflete diretamente na qualidade da saúde animal, na preservação ambiental e no equilíbrio econômico e social da produção.

O conhecimento em parasitologia permite ao veterinário avaliar criticamente protocolos de manejo já em uso, identificar falhas, corrigir rumos e propor melhorias que impactam positivamente o bem-estar dos animais e os índices de produtividade. Dessa forma, embora muitas vezes subestimada, a parasitologia tem papel estratégico e fundamental para a prática veterinária contemporânea.

Digivets: Você acredita que esse novo enfoque da saúde única favorece a parasitologia?

Prof. Marcelo: Sem dúvida, o conceito de Saúde Única favorece de maneira significativa, tanto sob uma perspectiva positiva quanto sob alguns aspectos mais críticos. Pelo lado negativo, pode-se dizer que o conceito se tornou excessivamente abrangente, um verdadeiro “curinga”. Isso porque, embora ofereça espaço para o trabalho em saúde animal, é inegável que a saúde humana ocupa posição central, sendo o principal motor que impulsiona as políticas e os recursos nessa área.

Nesse contexto, as chamadas doenças negligenciadas acabam por sofrer ainda mais, especialmente quando afetam animais, já que não recebem a mesma prioridade dentro da agenda de Saúde Única. Esse é um ponto lamentável.

Por outro lado, quando se busca melhorar a nutrição e elevar os níveis sociais e econômicos das comunidades rurais, o enfrentamento de doenças de base — frequentemente parasitárias e bacterianas — tem impacto direto e expressivo na qualidade de vida, tanto das pessoas quanto dos animais. Dessa forma, a integração proposta pela Saúde Única pode, sim, gerar avanços relevantes, especialmente para a parasitologia.

Marcelo_Presidente_WAAVP_2
Marcelo Molento, presidente do Comitê Organizador Local do WAAVP Curitiba em entrevista exclusiva para o Portal Digivets

Digivets: Professor, você teria considerações finais a fazer?

Prof. Marcelo: Recebi um apoio fundamental no âmbito local, especialmente de duas grandes empresas — uma responsável pela contabilidade e outra pela organização. Esse suporte foi decisivo e não pode deixar de ser reconhecido, pois sem essa base estrutural teria sido impossível concretizar o projeto.

Contamos ainda com a dedicação de uma equipe de oito profissionais extremamente comprometidos dentro do nosso comitê, mas, para que tudo funcionasse e o sonho se tornasse realidade, essas duas empresas forneceram o alicerce necessário, garantindo a segurança administrativa e operacional do evento.

Foram elas que viabilizaram contatos estratégicos, como a parceria com a MarKMesse, responsável pelo marketing, e com a Rede Paranaense de Metrologia, que cuidou da parte contábil — ambas essenciais para o sucesso da iniciativa.

O Congresso foi encerrado ontem dia 21 de Agosto, com a duração de 4 dias abordando diversos temas
Para ficar por dentro dos principais destaques de cada dia do Congresso acesse:

Para ficar por dentro de todas as novidades do mundo veterinário leia nossos outros artigos em:
Digivets

Quer uma curadoria de conteúdo no seu email?
Assine nossa News no LinkedIn Newsletter Digivets

Compartilhar Post

Artigos relacionados

Entrevista com Prof. Dr. Marcelo Beltrão Molento, Presidente do COL do WAAVP Curitiba 2025