Por Digivets

Setembro 26, 2025

50º WSAVA Congress - 2025 
Epilepsia canina no 50º Congresso da WSAVA, cinco regras de ouro para diagnóstico e tratamento

Rio de Janeiro (WSAVA 2025) — A epilepsia, um dos distúrbios neurológicos crônicos mais prevalentes em cães, voltou ao centro do debate clínico no 50º Congresso Mundial da WSAVA (World Small Animal Veterinary Association), realizado no Rio de Janeiro. O tema foi abordado pelo neurologista veterinário Dr. Ronaldo Casimiro da Costa (DMV, MSc, PhD, Dipl. ACVIM – Neurologia), professor da The Ohio State University (Columbus, EUA), que apresentou um guia prático em cinco “regras de ouro” para reconhecimento, diagnóstico e tratamento da doença — uma proposta objetiva para reduzir erros comuns e elevar a taxa de sucesso terapêutico.

A primeira mensagem do especialista mira a base do problema: nem todo episódio paroxístico é uma crise epiléptica. Até um terço dos cães encaminhados com suspeita de epilepsia, observou da Costa, são portadores de condições que imitam crises — de discinesias paroxísticas a síncope, distúrbios vestibulares e do sono. Por isso, anamnese minuciosa, descrição completa do episódio (pré, durante e pós-evento) e, quando possível, registro em vídeo são medidas que aumentam drasticamente a acurácia diagnóstica e evitam sobrediagnóstico e uso inadequado de fármacos.

No segundo passo, a trilha diagnóstica segue uma lógica sequencial: excluir antes de tudo as causas extracranianas/reativas (metabólicas ou tóxicas) com exames laboratoriais básicos e dirigidos; só então investigar causas intracranianas e, dentre elas, diferenciar processos estruturais (tumores, meningoencefalites) de funcionais, como a epilepsia idiopática. O exame neurológico detalhado é a ferramenta clínica que orienta o “work-up” cerebral (preferencialmente com ressonância magnética e, quando indicado, LCR). Se todo o painel — físico, neurológico, laboratorial e de imagem — é normal, e a idade de início situa-se entre 6 meses e 6 anos, consolida-se o diagnóstico por exclusão de epilepsia idiopática.

A apresentação também trouxe nuances importantes por perfil racial. Em raças dolicocéfalas e mesaticefálicas (como Pastor-Alemão, Labrador, Golden, Poodle e Spaniels) a epilepsia idiopática é mais comum; já em braquicefálicos, outras afecções cerebrais são relativamente mais frequentes e devem ser ponderadas com maior cautela antes de rotular o caso como idiopático. Clinicamente, não é raro que as crises sejam focais com generalização secundária ou generalizadas.

No manejo, a quarta regra resume a estratégia: comece com um único antiepiléptico e leve-o ao máximo de eficácia antes de associar outro. Para indicação de início, pesam fatores como segunda crise, intervalo menor que seis meses entre eventos, epilepsia idiopática confirmada em cães com menos de dois anos, e ocorrência de clusters ou status epilepticus.

Entre as opções de primeira linha, o fenobarbital permanece como o mais eficaz e custo-efetivo, desde que monitorado (20–35 μg/mL; equilíbrio em ~2 semanas). O levetiracetam ganhou espaço pelo ótimo perfil de segurança (lembrando que a formulação regular exige 8/8 h, e a de liberação prolongada, 12/12 h). O brometo de potássio segue válido, com a ressalva do controle rígido do sódio na dieta e da meia-vida longa, que alonga o tempo até a estabilização.

Em termos de metas, o professor foi categórico: controle total é raro; um alvo pragmático é menos de uma crise a cada três meses, considerando clinicamente relevante uma redução ≥ 50% na frequência e na gravidade. Só após otimizar a monoterapia deve-se pensar em politerapia.

A quinta regra trata dos casos refratários (15–20% dos cães): a conduta é adicionar um segundo fármaco mantendo o primeiro, e avaliar com paciência por semanas a meses (particularmente com brometo). Combinações comuns incluem fenobarbital + brometo, ou fenobarbital + levetiracetam/zonisamida/gabapentina. O desmame do fenobarbital só deve ocorrer diante de melhora acentuada, e de modo lento (reduções de 25% a cada 2–4 semanas). Na prática, muitos pacientes precisarão de politerapia crônica para um controle satisfatório.

Além da técnica, a fala reforçou a comunicação franca com as famílias: a maior parte dos cães ficará em tratamento por toda a vida. Decidir quando iniciar e qual medicamento usar depende de critérios clínicos, perfil do paciente, capacidade de monitoramento e adesão dos tutores. Para a rotina, a síntese do professor deixa um roteiro claro: (1) confirmar que é crise; (2) excluir causas reativas; (3) reconhecer a epilepsia idiopática; (4) iniciar e otimizar monoterapia; (5) nos refratários, associar fármaco mantendo o primeiro e reavaliar cuidadosamente.

A proposta das cinco regras de ouro apresentada por Ronaldo Casimiro da Costa (The Ohio State University) no 50º WSAVA atende a um objetivo pragmático: reduzir erros diagnósticos e terapêuticos e, com isso, aumentar a taxa de controle das crises na prática diária. Para os clínicos gerais e neurologistas, fica a mensagem de que a excelência no básico — boa anamnese, exame neurológico apurado, algoritmo diagnóstico disciplinado e farmacoterapia racional — continua sendo o caminho mais curto entre evidência e resultado na epilepsia canina.

Veja a íntegra do texto dos proceedings do Congresso.

5 REGRAS DE OURO PARA O DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA EPILEPSIA CANINA
Ronaldo Casimiro da Costa — The Ohio State University, Columbus, Estados Unidos

Qualificações:
Ronaldo Casimiro da Costa, DMV, MSc, PhD, Dipl. ACVIM (Neurology)
The Ohio State University, Columbus, OH, EUA
E-mail: rcdacosta@gmail.com
Instagram: @neurology.vet / @neuronaldo1

Introdução

A epilepsia está entre os distúrbios neurológicos crônicos mais comuns em cães. Seu diagnóstico e manejo corretos são essenciais para cuidar adequadamente dos pacientes e de suas famílias. Talvez não consigamos ajudar todos os cães epilépticos, mas certamente podemos ajudar a maioria. A classificação equivocada de eventos episódicos como crises epilépticas, o sobrediagnóstico de epilepsia e o uso inadequado de fármacos podem resultar em falhas terapêuticas. Este texto destaca cinco “regras de ouro” para o reconhecimento, diagnóstico e tratamento da epilepsia canina, com o objetivo de oferecer uma abordagem simples e estruturada para a prática clínica.

1. Reconhecimento das crises (e definições)

O primeiro e mais fundamental passo é confirmar que o paciente está realmente apresentando crises epilépticas. Até um terço dos cães inicialmente suspeitos de terem tido uma crise epiléptica, na verdade, sofrem de outros distúrbios paroxísticos, como discinesias paroxísticas, crises vestibulares, síncope, espasmos relacionados à dor, narcolepsia/cataplexia, tremores ou distúrbios do sono. É importante conhecer esses “mímicos de crise” e sempre buscar uma descrição muito detalhada de todo o episódio, bem como quaisquer sinais pré ou pós-episódio, idealmente com gravação em vídeo dos eventos.

Crises epilépticas são apenas um sinal clínico. Epilepsia é um distúrbio caracterizado por crises epilépticas recorrentes de origem intracraniana, geralmente definido como duas ou mais crises ocorrendo com intervalo de pelo menos 24 horas.

Há três tipos principais de crise: focal, generalizada ou focal com generalização secundária. O envolvimento de face é um indício crucial para caracterização de crises epilépticas. A identificação correta das crises é a pedra angular de qualquer plano terapêutico — o melhor tratamento começa por um diagnóstico preciso.

2. Abordagem diagnóstica — excluir causas extracranianas primeiro

A investigação diagnóstica deve seguir uma lógica sequencial. Duas perguntas guiam o clínico: O episódio é realmente uma crise? Se sim, qual a causa subjacente?

O primeiro passo é excluir causas extracranianas/reativas, como distúrbios metabólicos ou tóxicos. Isso requer anamnese cuidadosa, exame físico, hemograma, bioquímica sérica e, quando indicado, exames adicionais (por exemplo, ácidos biliares, níveis de chumbo, ultrassonografia abdominal). Uma vez excluídas as causas extracranianas, restam as causas intracranianas; então o foco passa a estabelecer se a causa é funcional (ex.: epilepsia idiopática) ou estrutural (ex.: tumores cerebrais, meningoencefalites).

A ferramenta mais simples e disponível a todos é um exame neurológico minucioso. Se os achados sugerirem lesão prosencefálica/tálamo-cortical, recomenda-se proceder a um work-up cerebral, tipicamente com ressonância magnética (RM) ou tomografia computadorizada (TC) — preferencialmente RM — com ou sem análise do líquido cefalorraquidiano.

Se toda a investigação inicial, incluindo exame neurológico, for normal, pode-se considerar o diagnóstico de epilepsia idiopática. Trata-se de um diagnóstico de exclusão, sustentado por:

  • Idade de início entre 6 meses e 6 anos
  • Pelo menos duas crises separadas por ≥ 24 horas
  • Exames físico e neurológico normais
  • Exames laboratoriais e de imagem avançada normais

3. Entendendo a epilepsia idiopática

A epilepsia idiopática é muito comum e é mais frequentemente diagnosticada em raças dolicocéfalas e mesaticefálicas, como Pastor-Alemão, Labrador, Golden Retriever, Poodle e Spaniels. Cães braquicefálicos podem ter epilepsia idiopática, mas também são mais acometidos por outras doenças cerebrais, como meningoencefalites e tumores, que frequentemente causam crises. Assim, nesses cães, outros diferenciais devem ser considerados cuidadosamente antes de assumir tratar-se “apenas” de epilepsia idiopática. Tipicamente, os animais afetados apresentam-se entre 6 meses e 6 anos, com achados clínicos, neurológicos e diagnósticos sem alterações. As crises são frequentemente focais com generalização secundária ou generalizadas.

4. Tratamento — começar com um fármaco e maximizar sua eficácia

Quando iniciar terapia:

  • Após a segunda crise
  • Crises separadas por menos de 6 meses
  • Paciente com menos de 2 anos com epilepsia idiopática confirmada
  • Presença de clusters (crises em salvas) ou status epilepticus

É muito importante ser franco com as famílias: a maioria dos cães epilépticos permanecerá em tratamento por toda a vida. Isso deve ser ponderado ao decidir quando iniciar terapia diária e qual fármaco antiepiléptico é mais adequado para aquele paciente.

Opções de primeira linha:

  • Fenobarbital continua sendo o fármaco mais eficaz e custo-efetivo, exigindo monitoramento cuidadoso de níveis séricos (faixa terapêutica: 20–35 μg/mL). O estado de equilíbrio é atingido em cerca de 2 semanas.
  • Levetiracetam ganhou grande popularidade nos últimos anos — não necessariamente pela eficácia, mas pelo excelente perfil de segurança. Importante: o levetiracetam regular deve ser administrado a cada 8 horas; apenas a formulação de liberação prolongada permite posologia a cada 12 horas.
  • Brometo de potássio também é boa opção: barato, seguro, excreção renal; requer controle estrito de sódio na dieta. Meia-vida longa — estabilização pode levar meses.

Zonisamida, gabapentina, imepitoin e pregabalina são opções adicionais.

Metas terapêuticas: controle completo raramente é alcançado. Objetivo principal: menos de uma crise a cada 3 meses. Considera-se clinicamente significativo obter ≥ 50% de redução na frequência e na gravidade das crises.

É fundamental otimizar a terapia com um dos fármacos acima antes de considerar adicionar outro medicamento.

5. Casos refratários — adicionar um segundo fármaco, mantendo o primeiro (inicialmente)

Aproximadamente 15–20% dos cães epilépticos são refratários. Nesses casos, deve-se adicionar um segundo antiepiléptico sem suspender o primeiro. Não interrompa o fármaco inicial assim que o segundo for introduzido. Avalie cuidadosamente a frequência de crises por semanas a meses.

  • Combinações comuns: fenobarbital + brometo de potássio, ou fenobarbital + levetiracetam/zonisamida/gabapentina.
  • É preciso paciência: aguarde pelo menos 1–2 meses (mais com brometo) antes de julgar eficácia.
  • O fenobarbital só deve ser reduzido se houver melhora acentuada — e então lentamente (redução de 25% a cada 2–4 semanas). Em muitos casos, será necessária politerapia de longo prazo para controle adequado.

Conclusão

O manejo da epilepsia canina requer uma abordagem sistemática e disciplinada:

  1. Confirmar que os eventos episódicos são crises epilépticas.
  2. Excluir causas extracranianas antes de investigar doença intracraniana.
  3. Entender os critérios para diagnosticar epilepsia idiopática.
  4. Iniciar tratamento com um antiepiléptico e otimizar seu uso.
  5. Para casos refratários, introduzir um segundo fármaco mantendo o primeiro, avaliando cuidadosamente a eficácia.

Sobre o 50º WSAVA Congress – 2025 

  • 50º WSAVA Congress – 2025 
  • Data: 25 a 27 de setembro de 2025
  • Local: Riocentro
  • Endereço: Avenida Salvador Allende, 6555 – Barra da Tijuca, Rio de Janeiro
  • Horário: das 10h00 às 18h30
  • Ingressos: 50° WSAVA Congress

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