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Setembro 26, 2025

Infecções respiratórias em felinos foram destaque no 50º Congresso da WSAVA

Por equipe Digivets

Infecções respiratórias em felinos foram destaque no 50º Congresso da WSAVA

Rio de Janeiro (WSAVA 2025) – Durante o 50º Congresso Mundial da World Small Animal Veterinary Association (WSAVA), realizado no Rio de Janeiro, a médica-veterinária Dra. Valentina Aybar Rodríguez, do Hospital Felino Madrid (Espanha), apresentou uma ampla revisão científica sobre as infecções de vias respiratórias altas (IVRA) em felinos, destacando os principais agentes causais, as estratégias terapêuticas atuais e as medidas de prevenção mais eficazes.

Segundo a especialista, as IVRA representam uma das causas mais comuns de enfermidades em felinos, sobretudo em gatinhos jovens, animais não vacinados ou que vivem em ambientes coletivos, como criadouros, abrigos e colônias. A etiologia dessas infecções é multifatorial, envolvendo vírus, bactérias e, ocasionalmente, coinfecções que agravam o quadro clínico. Entre os agentes mais relevantes, destacam-se o Herpesvírus felino tipo 1 (FHV-1) e o Calicivírus felino (FCV), amplamente distribuídos no mundo e responsáveis por quadros que variam de manifestações respiratórias leves até doenças sistêmicas graves.

A Dra. Aybar destacou que o FHV-1 pode permanecer em estado de latência nos gânglios neuronais e ser reativado em situações de estresse ou imunossupressão, enquanto o FCV, além de mais resistente no ambiente, apresenta grande variabilidade genética, dificultando o controle vacinal. Esse último pode estar associado a formas clínicas severas, incluindo doença sistêmica hipervirulenta, caracterizada por febre alta, edema facial, necrose cutânea e alta mortalidade. Outros agentes bacterianos oportunistas, como Chlamydophila felis, Mycoplasma spp. e Bordetella bronchiseptica, também desempenham papel importante na evolução das IVRA.

Do ponto de vista clínico, os sinais das IVRA incluem espirros, secreção nasal e ocular, febre, letargia, anorexia, disfonia e lesões oculares, o que torna o diagnóstico desafiador. Para confirmação etiológica, a PCR é considerada o padrão de referência, embora a detecção viral nem sempre esteja associada a doença ativa.

Estratégias terapêuticas e novas evidências

O manejo das IVRA exige um enfoque integral, que inclui isolamento dos animais doentes, suporte clínico (hidratação, controle do estresse, limpeza de secreções, nebulização) e tratamento específico conforme o agente causal. Nos casos de coinfecções bacterianas, a doxiciclina permanece como antibiótico de escolha, pela eficácia contra C. felis, Mycoplasma spp. e B. bronchiseptica. Já no campo antiviral, a pesquisadora destacou a eficácia do famciclovir, que reduz a replicação do FHV-1 e melhora os sinais clínicos em infecções agudas e recorrentes.

Um ensaio clínico recente (Vernau et al., 2024), envolvendo 373 gatinhos com menos de 12 semanas, comparou o uso de doxiciclina isolada ao tratamento combinado de doxiciclina + famciclovir. Os resultados mostraram que o grupo tratado com a associação apresentou resolução clínica mais rápida, menor incidência de lesões oculares e recuperação até cinco dias antes em casos leves. Além disso, nenhum animal desse grupo precisou ser retirado do estudo por agravamento do quadro, ao contrário do grupo tratado apenas com antibiótico.

Prevenção e impacto populacional

Em ambientes coletivos, como abrigos, a prevenção é considerada essencial. A Dra. Aybar destacou medidas como quarentena de novos animais, protocolos rígidos de higiene, controle do estresse ambiental, enriquecimento e programas vacinais atualizados. A vacinação contra FHV-1 e FCV, ainda que não elimine totalmente o risco de infecção, reduz significativamente a gravidade clínica e a disseminação viral.

Para a pesquisadora, a combinação de protocolos de biosseguridade, manejo adequado e uso racional de antivirais pode reduzir drasticamente o impacto das IVRA, não apenas em termos de saúde animal, mas também na gestão de recursos em ambientes de alta densidade populacional felina. “O uso precoce do famciclovir associado a antibióticos representa um avanço no controle clínico, reduzindo o tempo de recuperação e melhorando o bem-estar dos pacientes felinos”, concluiu a especialista.

Divulgação: Instagram WSAVA

Veja a íntegra do texto dos proceedings do Congresso.

INFECÇÕES DO TRATO RESPIRATÓRIO SUPERIOR EM GATOS: DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E PREVENÇÃO DOS PRINCIPAIS AGENTES CAUSAIS

Valentina Aybar, HOSPITAL FELINO MADRID, Hospital Felino Madrid, MADRID, Espanha

Qualificações:

  • VALENTINA AYBAR RODRÍGUEZ
  • HOSPITAL FELINO MADRID-ESPANHA
  • valentina@hospitalfelinomadrid.com

As infecções do trato respiratório superior (ITRS) são uma das causas mais comuns de doenças em felinos, particularmente em filhotes, gatos não vacinados e animais que vivem em comunidades como abrigos, gatis ou colônias felinas. Essas infecções têm etiologia multifatorial e se manifestam como sintomas clínicos agudos ou crônicos que envolvem a cavidade nasal, nasofaringe, seios paranasais, laringe e, ocasionalmente, a conjuntiva e a córnea.

Etiopatogenia e Agentes Envolvidos

Os principais agentes etiológicos implicados nas IVAS felinas são o herpesvírus felino tipo 1 (FHV-1) e o calicivírus felino (FCV), ambos amplamente distribuídos mundialmente e altamente prevalentes, especialmente em gatos jovens ou imunocomprometidos. O FHV-1 é um herpesvírus de DNA envelopado que é transmitido principalmente por contato direto com secreções oronasais ou conjuntivais ou fômites contaminados. Esse vírus tem a capacidade de estabelecer infecções latentes em gânglios neuronais, reativando-se em condições de estresse, imunossupressão ou tratamento com corticosteroides.

O FCV, por outro lado, é um vírus de RNA não envelopado pertencente à família Caliciviridae. Ao contrário do FHV-1, é mais resistente no ambiente, pode sobreviver por vários dias em superfícies inanimadas e apresenta alta variabilidade genética, dificultando seu controle por vacinação. Clinicamente, a FCV está associada a úlceras orais, gengivoestomatite crônica, claudicação transitória e, em algumas cepas hipervirulentas, doença sistêmica grave caracterizada por febre alta, edema facial, icterícia, necrose cutânea e alta mortalidade.

Outros agentes bacterianos oportunistas frequentemente associados a IVAS incluem Chlamydophila felis, Mycoplasma spp. e Bordetella bronchiseptica. C. felis é uma bactéria intracelular que se manifesta principalmente como conjuntivite folicular unilateral ou bilateral grave, sem envolvimento respiratório acentuado. Mycoplasma spp. pode atuar como patógeno primário ou secundário, exacerbando a inflamação conjuntival e respiratória, enquanto B. bronchiseptica, um patógeno mais comum em cães, pode causar rinite, espirros e tosse em gatos, particularmente em ambientes de alta densidade.

Manifestações Clínicas

Os sinais clínicos das IVAS são frequentemente semelhantes, independentemente do agente etiológico, complicando o diagnóstico diferencial baseado apenas na apresentação. Os sintomas mais comuns incluem espirros, secreção nasal e ocular serosa ou mucopurulenta, febre, letargia, hiporexia ou anorexia, salivação excessiva, disfonia e sinais oculares como blefaroespasmo, ceratite, úlceras de córnea e conjuntivite. Em casos graves ou em animais imunocomprometidos, pneumonia ou disseminação sistêmica podem ser observadas.

Diagnóstico Clínico e Laboratorial

Dada a sobreposição clínica entre os diferentes patógenos, o diagnóstico de IVAS geralmente se baseia nos sinais clínicos e na história do paciente. No entanto, para confirmar a etiologia e orientar o tratamento específico, testes diagnósticos como a reação em cadeia da polimerase (PCR) podem ser utilizados para detectar material genético viral ou bacteriano. Essa técnica permite a identificação de infecções ativas ou latentes, embora a detecção de DNA ou RNA viral nem sempre implique doença ativa, especialmente no caso de portadores assintomáticos.

Estratégias Terapêuticas: Tratamento Clínico e de Suporte

O manejo clínico das IVAS felinas baseia-se em uma abordagem abrangente que combina tratamentos específicos direcionados ao agente causador e cuidados de suporte para melhorar o estado geral do paciente. As medidas gerais incluem o isolamento do animal doente, limpeza frequente das secreções nasais e oculares, controle do estresse, manutenção de hidratação e nutrição adequadas e uso de umidificadores ou nebulizadores para diluir as secreções.

Antibióticos

O uso de antibióticos é indicado quando há suspeita de coinfecção bacteriana, comum devido à ruptura das barreiras mucociliares por vírus respiratórios. A doxiciclina (10 mg/kg por via oral a cada 24 horas) é o antibiótico de escolha, dada sua eficácia contra C. felis, Mycoplasma spp. e B. bronchiseptica, além de sua boa tolerância oral e penetração tecidual.

Antivirais

O fanciclovir, um pró-fármaco do penciclovir, demonstrou ser eficaz contra o FHV-1. É recomendado na dose de 90 mg/kg a cada 12 horas, por via oral. Seu uso está associado à redução significativa da replicação viral, melhora dos sinais clínicos e menor dano ocular em infecções agudas ou recorrentes.

Outros tratamentos

Estimulantes do apetite: a mirtazapina pode ser usada em gatos com anorexia persistente.

Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs): como o meloxicam, para controlar a febre e a dor.

Sprays e umidificação do ambiente, que melhoram a ventilação nasal.

Lubrificantes oculares para proteger a córnea.

Probióticos, como Enterococcus faecium, para preservar a microbiota intestinal durante o tratamento com antibióticos.

Um estudo clínico recente de Vernau et al. (2024) avaliaram a eficácia do tratamento combinado com doxiciclina e famciclovir em gatinhos com menos de 12 semanas de vida com sinais de IVAS e conjuntivite. Este estudo randomizado, triplo-cego e controlado por placebo incluiu 373 gatinhos divididos em dois grupos:

Grupo D: doxiciclina + placebo

Grupo DF: doxiciclina + famciclovir (90 mg/kg a cada 12 h)

O objetivo foi determinar se a adição de famciclovir proporcionou benefícios clínicos em comparação com antibióticos isoladamente.

Principais resultados

Em gatinhos com doença leve, o grupo DF apresentou resolução clínica mais rápida e recuperação mais precoce do que o grupo D.

O uso de famciclovir foi associado a uma menor incidência de doença da córnea, uma complicação comum das infecções por FHV-1. Nenhum animal do grupo DF foi retirado do estudo devido à piora clínica, enquanto no grupo D, cinco gatinhos foram excluídos devido à piora da doença.

Embora não tenham sido encontradas diferenças estatisticamente significativas nas taxas de resolução oftálmica no 21º dia, com base na avaliação veterinária, tendências favoráveis foram observadas no grupo DF.

No subgrupo com doença leve, os filhotes tratados com famciclovir alcançaram 75% de resolução clínica 4 a 5 dias antes do que aqueles tratados apenas com doxiciclina.

Implicações Clínicas

Este estudo fornece evidências a favor do uso precoce de famciclovir em combinação com antibióticos em filhotes com IVAS leve. A redução no tempo de recuperação não apenas melhora o bem-estar animal, mas também tem implicações práticas para abrigos, onde a redução do tempo de internação e a rotatividade mais rápida de animais disponíveis para adoção representam uma vantagem significativa em termos de gerenciamento de recursos.

O custo diário estimado do famciclovir é baixo (≈0,33 USD/dia para um gato de 1 kg) e seu perfil de segurança é favorável, tornando-o uma opção terapêutica acessível e eficaz para o manejo precoce de IVAS em ambientes clínicos e comunitários (2).

Manejo de IVAS em Comunidades

O controle de IVAS em ambientes com múltiplos gatos requer uma combinação de medidas profiláticas, sanitárias e de manejo ambiental. As principais recomendações incluem:

  • Zoneamento: quarentena, isolamento, gatas prenhes e saudáveis.
  • Quarentena de 21 dias para gatos recém-admitidos.
  • Programas sistemáticos de vermifugação interna e externa.
  • Controle da superlotação por meio de adoções e esterilização.
  • Higiene rigorosa do ambiente, utensílios e mãos dos funcionários.
  • Redução do estresse por meio de enriquecimento ambiental, esconderijos e uma rotina estável.
  • Implementação de protocolos de vacinação atualizados de acordo com as diretrizes do ABCD (Conselho Consultivo sobre Doenças de Gatos).

Prevenção por meio da vacinação

A vacinação contra FHV-1 e FCV é uma ferramenta fundamental na prevenção de IVAS. Recomenda-se iniciar a imunização às 8 semanas de idade, com duas doses com intervalo de 2 a 4 semanas, e uma terceira dose em filhotes em risco até as 16 semanas de idade. A revacinação deve ser realizada anualmente ou a cada três anos, dependendo do risco individual.

Vacinas inativadas são preferíveis em gatas imunossuprimidas ou prenhes, pois não apresentam risco de replicação viral. Embora a vacinação não previna completamente a infecção ou a latência, ela reduz significativamente a gravidade clínica e a disseminação viral no ambiente (4).

Conclusões

Infecções respiratórias superiores são doenças comuns na medicina felina, com particular relevância em filhotes e gatos jovens em comunidades. Seu manejo requer uma abordagem abrangente que combine a identificação do agente causador, tratamento médico específico e medidas de suporte adequadas. A adição de fanciclovir ao tratamento antibiótico padrão demonstrou encurtar significativamente o curso clínico em animais com doença leve, oferecendo melhor bem-estar animal e uma vantagem logística em abrigos.

O controle ambiental, a redução do estresse, o manejo adequado da saúde comunitária e os programas de vacinação individualizados continuam sendo pilares essenciais na prevenção dessas doenças, cuja incidência e impacto na saúde felina continuam significativos globalmente.

Sobre o 50º WSAVA Congress – 2025 

  • 50º WSAVA Congress – 2025 
  • Data: 25 a 27 de setembro de 2025
  • Local: Riocentro
  • Endereço: Avenida Salvador Allende, 6555 – Barra da Tijuca, Rio de Janeiro
  • Horário: das 10h00 às 18h30
  • Ingressos: 50° WSAVA Congress

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