Mais de 600 cavalos mortos por ração contaminada expõem riscos do modelo de autocontrole e acendem alerta sobre proposta de privatização das inspeções sanitárias no Brasil
A morte de mais de 600 cavalos em diversos estados brasileiros após o consumo de ração contaminada da marca Nutratta Nutrição Animal Ltda não é apenas uma tragédia sem precedentes no setor equino. É também um sinal de alerta sobre os riscos de flexibilização e privatização da fiscalização sanitária no Brasil. A crise, considerada inédita pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), levanta questionamentos sobre o modelo de autocontrole vigente e a falta de estrutura para uma fiscalização eficiente em toda a cadeia produtiva agropecuária.
De acordo com o Mapa, até o momento foram confirmadas 284 mortes em decorrência direta da ingestão da ração contaminada, embora o número de óbitos totais, considerando os dados de associações e veterinários locais, supere os 600 animais. A investigação conduzida por uma força-tarefa do Ministério aponta como causa a presença de monocratalina, uma toxina altamente letal produzida por plantas do gênero Crotalaria, que causou falência hepática e distúrbios neurológicos irreversíveis nos equinos.
“Esse é um caso único. Nunca, em toda a história do Ministério, havíamos identificado a presença dessa substância em ração para equinos. É a primeira vez que isso acontece”, afirmou o secretário de Defesa Agropecuária, Carlos Goulart.
A ração foi comercializada em ao menos quatro estados (SP, RJ, MG e AL), afetando centenas de haras e centros de treinamento. O caso levou à suspensão total das atividades da Nutratta pela pasta e à ampliação das análises laboratoriais, que identificaram traços da toxina em diversos lotes. “Trata-se de uma situação nunca antes registrada no país”, declarou o Mapa em nota oficial. “Todos os produtos da empresa continuam interditados para fabricação, comercialização e uso.”
Fiscalização fragilizada
Para o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical), a tragédia comprova o que os servidores da área vêm alertando: a fiscalização agropecuária está fragilizada, e o modelo de autocontrole não é suficiente para garantir segurança sanitária nem para os animais, nem para os consumidores humanos.
“É por isso que nós do Anffa Sindical batemos sempre na tecla de uma fiscalização constante em todos os elos da cadeia da agropecuária. Essa é uma missão de Estado que não pode ser delegada a terceiros, sob pena de causar prejuízos vultuosos para o país”, afirma o presidente da entidade, Janus Pablo Macedo.
O sindicato tem se posicionado de forma veemente contra o projeto do governo federal que pretende permitir que frigoríficos contratem diretamente empresas privadas para realizarem as inspeções ante mortem e post mortem dos animais. Para a categoria, a mudança representa um grave conflito de interesses e ameaça direta à saúde pública.
“A morte dos cavalos é apenas um exemplo dos prejuízos econômicos, afetivos e genéticos que podem advir de uma fiscalização agropecuária deficiente.”, alerta Macedo. “Estamos falando da proteção à saúde pública, da integridade dos alimentos e da preservação da credibilidade do Brasil como exportador. Não se pode admitir que funções exclusivas do Estado sejam repassadas a terceiros com vínculos diretos com os fiscalizados. O risco de conflito de interesse é elevado, e a saúde da população, seriamente ameaçada”

Riscos de perdas econômicas e sanitárias
A morte dos cavalos não impacta apenas os tutores e criadores. Muitos dos equinos vitimados pertenciam a linhagens genéticas valiosas, com alto valor econômico. A tragédia levanta ainda uma preocupação adicional: os reflexos para a imagem do Brasil no mercado internacional de produtos agropecuários, que pode ser comprometida se a confiança em seus mecanismos de controle for abalada.
Esse caso evidencia uma cadeia de fiscalização fragilizada, com poucos fiscais para uma demanda cada vez maior. A proposta de ampliar o autocontrole pode aumentar a recorrência de falhas pontuais.
Medidas adotadas
Em resposta ao caso, o Mapa instaurou processo administrativo fiscalizatório, lavrou auto de infração e determinou a suspensão cautelar da fabricação e comercialização de rações destinadas, inicialmente, a equídeos. Posteriormente, a medida foi estendida para rações de todas as espécies animais, após a detecção de alcaloides pirrolizidínicos (substâncias tóxicas e incompatíveis com a segurança alimentar animal) em amostras coletadas. A empresa foi notificada a realizar o recolhimento dos lotes afetados, procedimento que segue sob acompanhamento do Ministério.
“Estamos acompanhando de perto. Precisamos garantir que todo o lote contaminado seja recolhido e que nenhum novo caso aconteça”, concluiu Goulart, secretário de Defesa Agropecuária.
Referências:
- https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/mapa-esclarece-investigacao-sobre-mortes-de-equinos-associadas-a-racoes-da-nutratta-nutricao-animal
- https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/mapa-amplia-investigacao-de-mortes-de-equinos-associadas-a-racoes-da-empresa-nutratta-nutricao-animal
- https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/caso-de-contaminacao-em-racao-equina-da-nutratta-nutricao-animal-e-inedito
- https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/mapa-confirma-284-mortes-de-equinos-e-mantem-suspensao-total-da-nutratta-nutricao-animal
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